- Quinta Feira Santa, dia do Sacerdócio.Foi na manhã de 15 de agosto de 1959 que me apresentei, na Sé de Braga, ao arcebispo D. António Bento Martins Júnior para ser ordenado sacerdote. Nunca me arrependi da decisão tomada embora a vida me tenha mostrado que uma coisa é o sacerdócio imaginado no fervor dos 23 anos e outra, o sacerdócio vivido no dia a dia, com todas as suas exigências.
- A obediência que prometi exigiu-me coisas que nunca tinha imaginado, mas procurei cumprir.Também a comunhão eclesial tem trazido as suas dificuldades, numa Igreja constituída por homens, a começar por mim, que além de muitas qualidades também têm o seu feitio, o seu temperamento, os seus caprichos e as suas manias. Assumi, com falhas que reconheço, a atividade pastoral da Igreja na sua tríplice dimensão: evangelizadora, sacramental, caritativa. Tenho vivido, hoje muito particularmente, dadas as limitações que vão surgindo, o que considero ser a vocação de evangelizador através, sobretudo, da palavra escrita: na imprensa e nas redes sociais.
- Sofri desilusões ao reparar que a Igreja nem sempre é vista como corpo de Cristo, sacramento universal de salvação, comunidade constituída por todos os batizados, mas olhada como uma espécie de feudo de bispos e padres.Sofri e sofro ao ver que os fiéis leigos nem sempre assumem a sua missão, por diversas razões. Nuns casos porque não foram consciencializados e preparados para isso. Noutros, porque o açambarcamento de quem devia distribuir tarefas e abrir portas o não permite; porque nem sempre se reconhece o estatuto e a maioridade daqueles membros da Igreja; porque não se lhes reconhecem as competências; porque sentem não ser devidamente avaliado o seu trabalho; porque, exageradamente voluntariosos, pretendem ir além do que lhes compete; porque é muito mais cómodo não assumir responsabilidades.
- Dói-me verificar que nem sempre nós, os padres, temos tempo para nos dedicarmos ao específico da nossa missão porque o gastamos em atividades que os fiéis leigos fariam tão bem ou melhor.Dói-me verificar que o poder nem sempre é serviço mas pretexto para interesses e vaidades. Que as palavras nem sempre têm correspondência nas obras. Que às vezes ainda há aceção de pessoas. Que alguns responsáveis parecem mais preocupados com o espetáculo, com os negócios ou com diversos problemas materiais do que com a evangelização. Cada vez vivo mais a consciência de que pertenço a uma Igreja chamada a ser santa mas constituída por membros que, como eu, também são pecadores. Consola-me saber que sou perdoado setenta vezes sete. Mas dói-me a falta de humana compreensão e de justa tolerância. E dói-me ver atribuírem à Igreja a responsabilidade das fragilidades de alguns dos seus membros.
- Dói-me a campanha anti-Igreja, movida por subserviências ideológicas e por preconceitos bafientos que deveriam estar ultrapassados. E nós, homens da Igreja, nem sempre temos sabido dar a resposta adequada. Discípulos de um Mestre que mandou dar a outra face (Mateus 5, 39) e meter a espada na bainha (Idem 26, 51-52), esquecemo-nos de que esse mesmo Mestre, quando julgou necessário, pegou no azorrague (João 2, 13-16). Não sei se, em certos casos, a excessiva brandura terá sido a melhor forma de servir a Igreja. Há prudências que podem resultar da timidez.
- Os padres são Igreja mas não são a Igreja. A Igreja precisa dos padres e os padres precisam da Igreja. Sem darmos a ideia de fazermos da Igreja ou de algumas das suas associações cooperativas de elogio mútuo, estou persuadido de que precisamos de nos unir mais na exposição e na defesa de princípios e de valores em que acreditamos. A oração sacerdotal de Jesus (João 17), que hoje recordamos, leve a que, padres e fiéis leigos, nos dêmos cada vez mais as mãos. Rezemos uns pelos outros.
Autor: Silva Araújo