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Que trabalhem os tristes e os doentes

E disse Deus a Adão: agora, vais ter de trabalhar para ganhares o teu sustento. Mas não será já na boa terra do Jardim do Paraíso. De hoje em diante, até conseguires alimento, terás de cavar espinhos e cardos. Então, mandou-o embora do Jardim do Paraíso juntamente com sua mulher Eva. (Génesis 3.) Pois bem, a partir deste momento, o Homem passou a ganhar o pão com o suor do seu rosto, tendo o conceito de trabalho sofrido variadas transformações ao longo dos tempos; e donde o conceito de que o trabalho dá saúde e alegria que leva os ociosos e mandriões a declararem que, se assim é, que trabalhem os doentes e os tristes. Depois, com a era industrial e o surgimento do capitalismo, instala-se a dicotomia trabalho/capital que consigo arrasta lutas e reivindicações de sindicatos e associações de trabalhadores; e que, nos dias que correm, se pautam pela redução dos horários de trabalho e consequente alargamento dos períodos de férias e de lazer. Igualmente com o ressurgimento e incremento das teorias hedonistas, consumistas e laxistas, o trabalho transforma-se num pesado fardo que é preciso alijar, reduzindo-se a imperiosa necessidade de angariação de meios de sustento e, por arrastamento, aumentando o desejo de alimentação de vícios e ócios; e, até, se ouve frequentemente a juventude trabalhadora a declarar que já era bom tempo de ir para a reforma. Todavia, um problema se levanta e avassala a organização e manutenção da paz social e que é: haverá espaço, no futuro, para a desejada e imprescindível reforma, ou seja, terá o atual sistema de Segurança Social desejada sustentabilidade para a garantir? E esta é, no momento, a luz ao fundo do túnel. Sem dúvida que múltiplos, complexos e preocupantes são os problemas a ter em conta em toda esta problemática, a saber: o envelhecimento da população que acarreta enormes dificuldades de sustentação das suas reformas por parte de quem trabalha, o crescente aumento da esperança de vida e a constate emigração da nossa juventude por falta de trabalho; e acresce a esta situação o facto dos necessários aumentos no valor das reformas e pensões por força da subida do custo de vida. Depois, com o surgimento e avanço da tecnologia, da inteligência artificial e da robótica, o conceito de trabalho e, até, a sua tendencial diminuição, novos rumos se desenham para a existência e manutenção dos necessários recursos económicos e financeiros que garantam as reformas do futuro; até já há países que, perante esta evidência, estudam meios para a criação e atribuição de um ordenado base mensal a todas as pessoas que não conseguem trabalho. Então, perante tão negra realidade, o sistema atual de Segurança Social dependente de um Estado Previdência está em causa; assim, o futuro terá de passar por novos processos de garantir a reforma de quem trabalhou uma vida, como sejam, por exemplo, os planos de poupança reforma ou os seguros de reforma a cargo dos trabalhadores, competindo ao Estado, apenas, garantir um apoio básico comum, conforme as necessidades individuais dos cidadãos, como já acontece em muitos países. E é, assim, que se avizinham tempos politicamente difíceis e conturbados e se preconizam agitação e luta social, quando já se fala em aumentar a idade da reforma para os 69/70 anos; e isto como recurso imediato para assegurar, mesmo que temporariamente, a sustentabilidade da Segurança Social. Agora, num mundo que se desenha e quer cada vez mais de consumismo, diversão, licenciosidade, hedonismo e gozo, com muitos feriados e pontes e muitas férias e pouco trabalho, esta realidade é revoltante e dolorosa para a maioria dos trabalhadores; e, sobretudo, ao verem por aí muitos figurões, mormente da política, que granjearam reformas douradas e pensões vitalícias ao fim de meia dúzia de anos de pouco trabalho e desconto. Depois, se no Estado Novo com a reforma aos 70 anos poucos trabalhadores lá chegavam e os que o conseguiam era já sem as desejadas condições de saúde, nesta situação a ele só lhe cabia pagar mais funerais do que reformas; deste modo, é de prever que a futura reforma dos nossos trabalhadores não terá diferente destino; a menos que a sua mentalidade mude e o Estado abandone o atual papel de suprema agência de previdência social. Então, até de hoje a oito.
Autor: Dinis Salgado
DM

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1 maio 2019