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Que sempre lembre…

2. Evoco hoje aquela frase do meu Pai a propósito do manto de silêncio que se pretende lançar sobre acontecimentos muito desagradáveis vividos entre nós. Refiro, muito concretamente, a vaga de incêndios que só numa semana tirou a vida a sessenta e quatro pessoas; o furto cometido nos paióis de Tancos; o défice da Caixa Geral de Depósitos.
Poderão dizer-me que falar nisso não remedeia nada. O mal está feito. Mas lembrá-lo pode ser motivo para que se tomem as providências necessárias a fim de evitar que se repita.

Ainda bem que o Presidente da República, em entrevista ao «Diário de Notícias», em 30 de julho, deu a garantia de que não deixará cair no esquecimento casos como a tragédia de Pedrógão Grande e o assalto a Tancos, que considerou muito graves.
 
3. Não aceito que, por conveniências de ordem política ou quaisquer outras, se silencie o martírio de sessenta e quatro pessoas. Não aceito que se deixe de falar no drama de tantos que perderam familiares e haveres. Não aceito que se não informe do destino que teve o dinheiro resultante da onda de solidariedade que então se gerou.
Não aceito que se trate o caso de Tancos como se tivesse sido o comportamento de um qualquer garoto que furtou um assobio de barro numa vulgar barraca de feira. Nem acredito que as armas furtadas venham a ser usadas como qualquer objeto de adorno.

Os prejuízos na Caixa Geral de Depósitos atingem-nos a todos. Há que informar do destino que o dinheiro levou e responsabilizar quem deve ser responsabilizado. Não considero legítimo que o dinheiro dos contribuintes seja usado para cobrir os erros de quem permitiu ou contribuiu para que o défice tivesse acontecido. Que o assunto se esclareça, pague quem deve pagar, e disso se informe o cidadão comum.
Dizem sermos um país de brandos costumes, mas há factos que não devem ser tratados com ligeireza, por muito que isso custe a algumas pessoas.
 
4. A vaga de incêndios, que persiste, não deve ser encarada como simples moda ou fatalidade.
Dá a impressão de se falar do tempo dos incêndios como se fala do tempo das uvas. Como se se tratasse de algo que, em determinada época do ano, não deixa de acontecer.
Décadas atrás não havia tantos incêndios e também existiam vagas de calor e trovoadas. Só agora é que esses fenómenos naturais incendeiam as matas? Não haverá interesses por trás? Não haverá causas a apurar, responsabilidades a exigir, precauções a tomar?
 
5. Este e outros casos clamam por justiça. Que se apurem as causas. Que se identifiquem os culpados. Que se atribuam responsabilidades. Doa a que doer. Se for necessário apontar o dedo a peixe graúdo, porque não?
Vivemos, infelizmente, numa sociedade em que o dinheiro tem um poder exagerado. Por dinheiro se cometem crimes. Por dinheiro se praticam graves injustiças e as maiores violências. Com dinheiro se compram silêncios e falsos testemunhos.
 
6. Insisto na ideia inicial: o manto de silêncio não resolve nada. Serve, apenas, para tranquilizar a consciência de quem não quer ou não pode apurar responsabilidades.
Os problemas não se solucionam passando uma esponja sobre eles ou empurrando-os para debaixo do tapete.


Autor: Silva Araújo
DM

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17 agosto 2017