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Quatro desejos e uma dose de sorte q. b.

Os elogios caem nas redações, sucedem-se as manifestações de espanto e reconhecimento, alinha-se a estupefação e a admiração e tudo combinado, num caldo misto de trabalho e muita vontade, resulta numa história de relativo otimismo para Portugal. Contudo, há muita fava no meio do cenário de guerrilha que vivemos; um combate desigual, mas, todavia, imperioso a merecer algumas notas, lições de vida, se quiserem. Gentrificação, Georeferenciação, sensorização e análise preditiva são conceitos com alguns anos de experiência que serão muito úteis por estes dias. Todos têm em comum uma informação básica, estratégica e muito útil: os dados. São eles que em primeiro lugar, em situação de emergência, determinam os efeitos das decisões serem ou não mais próximas das nossas necessidades. E não há maior obrigação de momento do que aquela que ajuda os decisores a tomarem as melhores opções. A posição da Associação Portuguesa de Ciência de Dados para o Bem Social relativamente aos dados que têm sido publicados pela DGS, é sintomática da falta de cultura de dados e de acesso livre. E mais acutilante o é, na medida em que afeta a nossa qualidade de vida e as opções estratégicas sejam elas pessoais ou coletivas. Numa sociedade democrata e de oportunidades, os dados não podem ser um exclusivo de uns, nem a sua ausência, calculista para alguns. São um bem comum e como tal devem ser claros, concretos e partilhados, de forma a permitir o juízo real sobre a demanda coletiva.

De que forma eles ajudam a que façamos a melhor análise? Apesar das barreiras ideológicas, em Portugal a cultura da análise preditiva está a dar os primeiros passos e talvez essa tenha sido uma arma usada por cá para permitir antecipar medidas de contenção, a partir dos dados factuais dos outros países. A experiência é determinante neste capítulo e saibamos usá-la para o bem comum. Ser preditivo hoje tem um significado urgente por ser determinante para deixarmos de vez de sermos reativos e apostar na sorte sendo preventivos.

A necessidade de se avançar com processos de sensorização aparece no meio desta avaliação crítica dos cientistas de dados, como vital para os tempos mais próximos, na medida em que permitirá avaliar os movimentos, as opções, as necessidades sociais de uma forma mais pragmática e incisiva. Os recados e conselhos da Comissão Nacional de Proteção de Dados, a propósito do ensino à distância, têm o condão para nos alertar para os desmandos e abusos que sempre acontecem, mas é para isso e não só por isso, que a segurança será uma palavra chave no futuro imediato da nossa vida coletiva. O que não pode é deixar de ser usada informação vital para o bem comum. A importância de processos como a Georeferenciação é um bom exemplo que pode estar ao serviço de organismos como a DGS que necessita de precisão fatual para atuar. A localização dos focos de contágio ao nível da freguesia, do bairro será essencial para se perceber o movimento infeccioso e qualquer obstáculo que o impeça, no estado de exceção que vivemos, é um perigoso aditivo para a emergência que nos atinge.

Ninguém está preparado para o que aí vem, nas múltiplas dimensões económicas, sociais e ambientais, mas fica desde já a certeza que se houver vontade política europeia será sobre a batuta da sustentabilidade que serão tomadas decisões políticas que poderão antecipar metas até agora projetadas para 2030 e 2050. Se assim for, ergue-se o quarto pilar deste conjunto de desejos: a gentrificação. Quem já passou por um processo de mudança de vida profissional, como eu, sabe do que fala e do quanto importante é fazê-lo nas melhores condições, dada a sua penosidade. É isso que se espera da Europa; uma visão clara e inteligente que afaste pessimismos, radicalismos e de uma vez por todas a reinvenção do neoliberalismo que por estes dias vive a amargura da contradição. Só se pode sair vitorioso desta demanda se não nos escapulirmos de uma obrigação que não nos deixe à mercê da sorte que tantas vezes matou a esperança e o otimismo que deve servir de remédio e alimento para os desafios que todos temos de enfrentar em comum.


Autor: Paulo Sousa
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15 abril 2020