Imagine-se, caro leitor, a participar num teste de conhecimento em que lhe colocam esta pergunta acompanhada das seguintes 4 possíveis respostas, 840, 876, 880 ou 891 e lhe dizem que apenas uma está correta. Qual seria a sua resposta?
Em princípio, para responder corretamente teria de saber em que data nasceu Portugal. E o leitor certamente não terá a resposta na ponta da língua porque em Portugal tudo é polémico, mesmo a data do seu próprio nascimento!
Como vimaranense, eu bloquearia de imediato a hipótese 891, sem usar "joker", porque não conheço outra razão capaz de justificar a frase lapidar inscrita na torre da alfândega, que diz "AQUI NASCEU PORTUGAL", que não seja o facto histórico de Guimarães ter sido o palco da Batalha de S. Mamede, ocorrida no dia 24 de Junho de 1128. Por esta razão, afirmaria com toda a convicção que Portugal completou 891 anos no dia 24 de Junho do corrente ano (2019-1128=891).
E esta data é polémica, porquê? Porque alguns historiadores preferem eleger para a génese de Portugal outros factos históricos ocorridos na vida de D. Afonso Henriques, como a Batalha de Ourique (1139), o Tratado de Zamora (1143) ou a Bula "Manifestis Probatum" (1179).
É inequívoco que o processo de independência de Portugal se iniciou quando D. Afonso Henriques assumiu o governo do Condado Portucalense em consequência da Batalha de S. Mamede, em 24 de Junho de 1128 e terminou com a confirmação por parte do Papa Alexandre III em 1179, através da bula Manifestis Probatum.
Durante este período de 51 anos, houve outros episódios que contribuíram para a consolidação da política de independência, como por exemplo o Tratado de Tui (4 de Junho de 1137), a Batalha de Ourique (25 de Julho de 1139), o Torneio de Valdevez (Primavera de 1141), o Tratado de Zamora (5 de Outubro de 1143) e a Bula Devotionem Tuam do Papa Lúcio II (1 de Maio de 1144).
Todavia, nenhum destes factos históricos foi mais importante que a Batalha de S. Mamede para a consolidação da independência de Portugal, porque este foi o primeiro ato do processo de rutura com a suserania de Leão sobre o território portucalense. O combate em Ourique teve como adversários 5 reis mouros que não exerciam suserania sobre o território do então Condado. Em Arcos de Valdevez, o confronto com Afonso VII não passou de uma represália que este levou a cabo em consequência dos sucessivos ataques que D. Afonso Henriques lhe fazia na Galiza. Os tratados de Tui e Zamora foram acordos de paz entre ambos, em consequência de ataques perpetrados por D. Afonso Henriques a castelos e terras sob protetorado do monarca leonês. As duas bulas papais inscrevem-se no processo diplomático que D. Afonso Henriques implementou, no sentido de conseguir que o Papa lhe aceitasse vassalagem direta, para assim afastar de vez, no plano internacional, a vassalagem a Leão que sempre recusou.
A batalha de S. Mamede é a verdadeira certidão de nascimento de Portugal! O grande historiador José Mattoso refere-se a ela como a PRIMEIRA TARDE PORTUGUESA e o pintor Acácio Lino representou-a com este mesmo título numa pintura mural de 1922, no Palácio de S. Bento.
A partir da Batalha de S. Mamede D. Afonso Henriques entrou no governo do território do Condado Portucalense com o propósito firme e determinado de assegurar a sua autonomia face ao reino de Leão e de romper os vínculos de vassalagem que o território mantinha com ele. Este foi o caminho por si preconizado quando em 1125, com apenas 14 anos de idade, se armou a si próprio cavaleiro, conforme o uso e costumes dos réis, afirmando com este ato a sua legítima pretensão de tomar o governo do Condado Portucalense e de o transformar em reino.
Se a Batalha de S. Mamede não é o dia de nascimento de Portugal, a frase AQUI NASCEU PORTUGAL inscrita na torre da alfândega em Guimarães constitui uma pura fantasia! Por isso, Guimarães deve acrescentar-lhe a circunstância de tempo, para afirmar "AQUI NASCEU PORTUGAL EM 1128".
Autor: Florentino Cardoso