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“Procurava ver Jesus”

O texto de Zaqueu (Lc 10, 1-10), a ser proclamado no próximo domingo (XXXI do Tempo Comum – Ano C), é próprio e exclusivo de Lucas. Coloca-nos perante duas figuras que se encontram (Zaqueu e Jesus), registando-se a mudança de vida do primeiro e o protagonismo do segundo.

Com este texto, termina o “evangelho dos perdidos” (Lc 15, 1 – 19, 10) que havia começado nas parábolas da misericórdia (Lc 15), uma sequência narrativa onde se destacam, em inclusão, as afirmações: “estava perdido e foi encontrado” (Lc 15, 24.32), “o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido” (Lc 19, 10). Se, por um lado, o texto de Zaqueu é a melhor demonstração disto mesmo, por outro responde, de forma inequívoca, à anterior pergunta (Lc 18, 26: “Quem pode salvar-se?”) e ilustra a resposta de Jesus: “O que é impossível aos homens é possível a Deus” (Lc 18, 27).

A conversão de Zaqueu, em Jericó, é o último episódio do caminho de Jesus para Jerusalém (9, 51 – 19, 27). A “cidade das palmeiras” era a derradeira paragem obrigatória para aqueles que, vindos do Norte, pelo além Jordão, atravessando a Pereia, se encaminhavam para a Cidade Santa. É também o elo de ligação com os países do Sudeste. Não admira, por isso, que aqui abundem os cobradores de impostos1, cujo chefe era Zaqueu, um nome hebraico que significa “justo, puro” (note-se a ironia!).

Lucas apresenta este personagem com algum humor e simpatia. Não só diz que era de pequena estatura (v. 3), como também refere o expediente que usou para ver Jesus (v. 4: “subiu a um sicómoro2”) e que o expunha ao ridículo. A verdade é que Zaqueu não estava preocupado com a sua dignidade e prestígio, queria era mesmo “ver Jesus” (v. 3). Curiosidade ou interesse em encontrar-se com ele? Ou até as duas coisas: uma curiosidade em que late uma ânsia autêntica. O mais interessante é que quem procurava ver Jesus foi por Ele visto e, por isso, convidado a descer (v. 5).

Lucas não apresenta, neste episódio, a psicologia da conversão, mas as suas etapas, num percurso que importa relevar, onde imperam os verbos de movimento, sugerindo que estamos perante uma peregrinação em ordem à salvação.

Jesus toma, então, a iniciativa: convida Zaqueu a descer e afirma a intenção de ficar em sua casa (v. 5). O narrador constata, de imediato, que a atitude de Jesus foi sujeita a duas interpretações: a crítica perversa dos circunstantes, marcada pelo juízo, pelo orgulho e pela autossuficiência (v. 7); a apreciação positiva de Jesus que, no itinerário de Zaqueu, vê a história da salvação a acontecer também na vida daquele pecador. Por seu turno, Zaqueu responde de forma extraordinária ao convite de Jesus: “desceu imediatamente e acolheu Jesus, cheio de alegria” (v. 6).

A afirmação posterior de Zaqueu completa o sentido de toda a cena: não há conversão sem mudança radical de vida e, no caso de um rico, tal mudança interfere necessariamente com o uso dos bens e as novas relações de justiça social: dar metade dos bens aos pobres e restituir quatro vezes mais a quem se defraudou (v. 8), o que supera todas as prescrições religiosas e sociais3. Trata-se de uma mudança corajosa e arrojada, em que se afirmam os temas mais caros da teologia de Lucas: a conversão dos pecadores, a solidariedade de Jesus com eles e a alegria pela salvação oferecida a todos.

Zaqueu e a sua família passam, de imediato, da condição de excluídos à de incluídos (v. 9: “Hoje, veio a salvação a esta casa”), explicitando-se assim a missão de Jesus: “procurar e salvar o que estava perdido” (v. 10).

1 Os cobradores de impostos ou publicanos eram mal vistos, e até odiados, porque colaboravam com os romanos e porque, em boa parte dos casos, cobravam mais do que o que estava estipulado. Não admira, pois, que eles e os seus chefes fossem ricos.

2 O sicómoro é uma árvore cujo fruto está situado entre o figo (sicos) e a amora (moron).

3 A reparação em quádruplo só estava prevista no caso de furto de rebanho (cfr. Ex 21, 27; 2Sm 12, 6). Em casos normais, a indeminização fazia-se na medida do duplo (cfr. Ex 22, 3.6). A oferta máxima em favor dos pobres era de um quinto dos bens e rendimentos. Para reparar os danos em caso de furto deveria acrescentar-se um quinto do valor das coisas roubadas na restituição (cfr. Lv 5, 21-24).


Autor: P. João Alberto Correia
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24 outubro 2022