A notícia em causa foi pretexto para determinados grupos de socratistas e de alguns sectores de conhecidas lojas maçónicas manifestarem o seu mais vivo repúdio pelo que consideram ser um escândalo e uma flagrante violação dum princípio fundamental do Estado de Direito: um processo de inquérito criminal prolongado por mais de 42 meses sem acusação.
E repetiram o argumento mais de quarenta e duas vezes até que o assunto foi rapidamente caindo, até desaparecer no dia seguinte. O show estava dado e a razão de ser da atitude entendida. À medida que as malhas da justiça vão apertando o cerco e conhecida que foi, na semana anterior, a constituição de mais dois arguidos – Ricardo Salgado e Rui Horta e Silva –, a etiologia dos crimes indiciados nos autos ganhou uma fortíssima consistência.
A investigação, unindo as pontas dos vários casos que se entrecruzam neste processo, conseguiu, ao que se sabe, determinar a causa ou causas por que o ex-primeiro-ministro terá sido corrompido e explicar, numa narrativa simples e coerente, as circunstâncias em que isso terá acontecido.
Neste contexto, porquê a indignação pelos 42 meses de investigação? Vamos aos factos.
Detido em Novembro de 2014, José Sócrates foi sujeito à mais grave medida de coação – prisão preventiva –, durante dez meses seguidos.
Através de quatro ou cinco pedidos de habeas corpus e de vários recursos sequenciais, insurgiu-se contra a prisão preventiva que os seus advogados apelidavam de ilegal. Porém, sempre os seus pedidos e recursos foram indeferidos ou julgados improcedentes, inclusive pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Significa isto que um larguíssimo leque de juízes de todas as instâncias considerou haver nos autos indícios bastantes da prática pelo arguido dos crimes que lhe foram imputados.
Acresce que, pela complexidade do processo conduzido pela Direcção Central de Investigação e Acção Penal, o inquérito foi objecto de sucessivos desdobramentos, ao longo dos quais novos factos foram conhecidos e novos arguidos foram constituídos. Entre estes, avultam os dois últimos atrás referenciados que permitiram alargar e ligar os factos do caso em apreço aos da queda do grupo GES, da crise do resort de luxo de Vale do Lobo, das perdas da Caixa Geral de Depósitos neste empreendimento, do “Monte Branco” e do chumbo da OPA lançada pela SONAE à PT.
Durante os 42 meses da investigação, foram desenvolvidas milhares de diligências entre (longos) interrogatórios de arguidos – 21 no total –, inquirição de centenas de testemunhas, buscas, exames forenses, escutas telefónicas, cartas rogatórias para diversos países e requisição de documentos a vários offshores, entre muitas outras, com a única e exclusiva intenção de descobrir a verdade material!
Por via de tal complexidade e da morosidade inerente a muitíssimas dessas diligências, foram sendo solicitadas ao juiz de instrução diversas prorrogações do prazo do inquérito que foram sempre deferidas com base na lei processual penal, sendo que algumas destas prorrogações foram validadas por instâncias de recurso.
De resto, não foi este o único processo em que prorrogações desse tipo foram deferidas. Pense-se, a título de exemplo, no processo “Casa Pia”.
Assim sendo, que querem, afinal, José Sócrates e os seus correligionários? A resposta é óbvia: muito simplesmente, fragilizar a acusação, impedindo a aquisição de mais provas e factos essenciais para a descoberta da verdade material, por forma a que o Ministério Público se veja na contingência de deduzir um libelo com base em factos incompletos ou de nele não plasmar factos importantes cujas provas estava em vias de adquirir.
E, com isto, descredibilizar a justiça. Se os tribunais deixam prescrever os crimes, mormente os de corrupção, aqui d’El-Rei que os poderosos conseguem fugir às malhas da justiça; se esta, com todo o rigor e profissionalismo, precisa de um tempo extraordinário, mas legal, para investigar a fundo os crimes que lhe são denunciados, aqui d’El-Rei que está a violar a liberdade e a perseguir os arguidos, relegando para lugar secundário o apuramento da verdade para que a culpa, em Portugal, continue a morrer solteira…
Como diz o povo, é preso por ter cão e preso por não ter!
Autor: António Brochado Pedras