1.Claro que toda a gente precisa de amar e de ser amado. A questão não é essa. É saber qual das duas necessidades sente mais. Sabe porque pergunto isto? Porque a resposta a essa questão pode ser uma espécie de bola de cristal que lhe dá acesso à história do modo de relação pessoal que a figura materna teve consigo. É que ninguém consegue amar sem antes ser amado e sentirque foi amado… E uma pessoa que não foi amada e não se sentiu amada será sempre insatisfeita, infeliz sem saber porquê, revoltada, agressiva… Sente que toda a gente lhe deve atenção… É como lhe faltasse o sol interior, porque o amor está para a nossa vida íntima como o sol está para todos os seres vivos. Há comportamentos pessoais e sociais no dia-a-dia que só se compreendem regressando às raízes pessoais. Há comportamentos disruptivos e agressivos nos nossos dias que denunciam graves carências afectivas: são quase diários os homicídios onde a carência afectiva está na base do crime. E infelizmente há instituições para ficar com crianças que são um deserto afectivo. Um outro sintoma neurótico de hoje é as pessoas correrem para sobreviver, sentem necessidade de correr na vida sem saberem porquê. Há um estilo de pressa que faz com que não tenham tempo para viver identificadas consigo mesmas.
2.O apelo de mudança cultural dos anos 60 contra um estilo de vida mais institucional do que pessoal foi uma vaga de fundo da humanidade cujas consequências só agora começam a ser mais percebidas. Estava-se habituado a padrões de vida calcificados em que bastava impor soluções estandardizadas para que tudo fosse “bem”. E, de repente, os castelos padronizados começaram a esboroar-se e as instituições foram fechando portas e os responsáveis continuam a não entender porquê. Não há outro caminho para chegar ao íntimo da pessoa e ajudá-la a crescer senão respeitar a sua liberdade, compreender as razões do seu comportamento e ajudá-la a reencontrar-se, sem a forçar, porque só ela pode decidir sobre a sua vida. Ninguém pode abrir as portas do coração pelo lado de fora, isto é, impondo; só o próprio as pode abrir, do lado de dentro, aceitando… O instrumento de mudança é o amor. Esta é a realidade. E quem se colocar fora da realidade do mundo nunca o compreenderá. Ninguém pode dizer que não é deste mundo, porque não há outro lugar para onde ir senão neste mundo. O que pode é olhar para o mundo com um olhar e um significado diferente.
Há um tempo na vida em que pensamos descobrir todas as razões da vida. Essa etapa é importante; mas, se lhe faltar a perspectiva do amor, tudo isso arrisca perde compromisso ético. E vende-se por qualquer preço. Mesmo vender a vida. Quem não for capaz de entender a lógica do amor também não vai entender a lógica da vida.
3.O ser humano, tal como as árvores, também precisa de criar raízes. Só que estas são de sentido da vida. E há um tempo para isso. Passado esse tempo, será difícil remediar essa falta. Talvez esta história ajude a compreender as raízes de alguns comportamentos que hoje nos desconcertam. Há um tempo, falaram-me do caso de um menino, que andará pela casa dos 6 a 7 anos, como sendo uma criança triste, revoltada, ameaça que mata, infeliz, com ciúmes dos irmãos, que na escola não ligava nada, sempre a agredir verbalmente, dormindo mal, a perguntar constantemente se gostam dele (gostas de mim? é a pergunta angustiante que ele repete à mãe…) Vim, depois, a saber algo mais da história pessoal dele: quando nasceu, a mãe ficou triste por ele não ser uma menina...o que quer dizer que, mais ou menos inconscientemente, ele foi rejeitado, embora a mãe o negue... Mas, vendo com olhos de ver, percebe-se bem que é verdade: não o acolhe com carinho e proximidade, mantém sempre uma distância mesmo quando lhe toca. E ele sente-o…e fica triste, revoltado, agressivo, não se consegue concentrar… Quando crescer, será tendencialmente uma daquelas pessoas que terão dificuldade de amar; precisa é de alguém que o ame, de uma “mãe” que não teve. Tenderá mais a precisar de ser amado do que a amar. E isso pode-lhe trazer problemas de relação afectiva, dificuldade de integração e tornar a sua vida infeliz. Porque há, hoje, tanta agressividade e se mata com tanta facilidade? É preciso ir às raízes do nosso comportamento.
4.Por interessante coincidência, encontrei esse menino em férias, lá para o sul do país e conversámos e tornámo-nos amigos. Era ora meigo ora provocador. Esse comportamento de provocação saía-lhe espontaneamente. Irritava-se facilmente e dizia: “a paciência tem limites”… (uma frase agressiva e de rejeição da mãe para com ele e que ele projectava sobre mim). Eu não reagia à provocação e respondia-lhe que gostava muito dele e que a paciência de quem gosta não tem limites… Aos poucos, foi-se tornando uma criança amável, embora, de vez em quando, regresse ao estilo provocador, que significa a sua revolta por causa da carência afectiva. Há raízes da nossa vida que, se não forem construídas no seu tempo, deixam uma ferida para toda a vida. Num desses dias em que encontrei esse menino, íamos a dar um passeio no jardim, pelo fim da tarde e passou um casal de ingleses, ainda novos com uma filha dos seus 8 ou 9 anos. A senhora, vestida com um longo vestido branco, era muito simpática, gentil, alegre, a brincar com a filha…E ele, olhando para ela, diz-me assim: “todas as mães deviam ser assim amáveis e delicadas como esta senhora… até a mãe…”
Ouvi e registei…
Autor: M. Ribeiro Fernandes