Será Portugal um país de lesados? Creio que sim. E com poucas dúvidas. Lesados, no contexto que expresso, consubstancia, de facto, uma boa palavra envolta num arquétipo ilusório e impregnada de um certo irrealismo que serve, de propósito, para esconder ou atenuar o seu conceito linear e objectivo.
Lesados é um eufemismo, à boa maneira da mentalidade lusa e em linha com a ideia da democracia (partidocracia) em vigor neste país e que se encaixa magistralmente num comportamento do deixa andar para logo ver o que isso dará.
Nós gostamos de levitar as palavras. De rodopiá-las, de lhe cortar as arestas para não chatear ninguém. Assim, pensamos que ficamos de bem com todos. Pelo menos, aparentemente, porque, do outro lado da barricada, conspira-se e abjecta-se com fartura. E o que é redondo não magoa, não crispa e é fácil de se passar a mão pela sua superfície polida. Até pode girar com outro andamento. Lesados, qualquer coisa que induz a engano e terrivelmente mascarada.
O caso dos lesados, é um caso verdadeiramente incrível que não poderia acontecer num país responsável e em que a Justiça funcione com eficiência e qualidade. Aqui, neste país, é preciso manter as águas serenas para não levantar muitas ondas que podem causar danos irreparáveis para o sossego de quem teve a paciência de aferrolhar uns cobres ou de apostar em produtos supostamente mais vantajosos para melhorar a sua poupança. Sempre supostamente, não é?
Ponto um – Assim, grosso modo, lesados quer dizer qualquer coisa como "pessoas somíticas", mas que foram prejudicadas e defraudadas nas suas expectativas. (Até foi bem feita, dizem os tais). Nesta visão, talvez se possa aprofundar um pouco mais o seu potencial significado para se ter a real dimensão da palavra. Porque não se apelida de enganados?
Ou ir mesmo mais longe. Simplesmente roubados. Roubados no dinheiro, na confiança, nos sonhos e no sossego. E por quem? Nesta história triste, longa e revoltante, se há lesados também há beneficiados.
Quem são eles ou quem foram eles? A palavra neste enquadramento é adocicada, mas fica um tanto intragável. A realidade é bem mais séria, incontornável e contundente. Há sonhos que se perderam, tempo que passou e vidas que se foram. E os outros? Os tais beneficiados do sistema?
Ponto dois – Lesados, sempre na sua expressão máxima mais ligada ao sistema bancário. Uma enorme tempestade de injustiça e de irresponsabilidade, acompanhada também de alguma soberba, é verdade. Incompreensível!
Uma facada na confiança de um sistema que vive de confiança e que, paulatinamente, nos capturou e que tem retirado de forma insidiosa umas migalhas mais, nos magros rendimentos que este povo aufere. São as tais comissões.
Com buracos colossais no mundo da finança, é preciso cada vez mais comissões para tapar os abusos daqueles que foram buscar o dinheiro dos outros e se esqueceram de honrar os compromissos supostamente estabelecidos entre as partes. Às vezes, com conluio ou com aconselhamento.
Ponto três – Continuando a saga: Temos os lesados do BPN, apareceram depois os do BPP. A seguir e um pouco mais tarde, surgiram os do BANIF e dos BES. E o Estado sempre a entrar pela madeira dentro para satisfazer as imparidades. Que lindo nome dão aos caloteiros! E só não houve lesados da CGD, porque o Estado, o abençoado Estado, mais uma vez colocou lá 3944 milhões de euros, com uma importante fatia deste montante a pagar juros de 10,75% ao ano. Uma enormidade de juros? Não. Nem por isso. Com tanta gente a pagar comissões torna-se coisa pouca. Mas, o engraçado desta triste história é que nos foi vedado o acesso a saber quem provocou tamanho rombo nos cofres da Caixa. Pagamos e não temos direito a saber de nada.
Nesta fita do tempo e das falências consecutivas, não aprendemos absolutamente nada. Não esboçamos o mínimo cuidado e vigilância para prevenir a continuação de tais disparates.
Ponto quatro - Eu sou um lesado da bancarrota socialista sob a vigência de Sócrates. Eu e os milhões de portugueses que viram a sua vida a andar para trás. Uns, como eu, pagámos com cortes nos salários e nas pensões; outros com desemprego e com cortes nos subsídios que recebiam. Outros ainda tiveram que zarpar para o estrangeiro. Os lesados da bancarrota socialista perderam ainda a qualidade na saúde, na educação e na segurança, entre outros "direitos". Termino este "Ponto por ponto" agora com uma afirmação: Portugal é mesmo um país de lesados!
Autor: Armindo Oliveira
Ponto por ponto
DM
21 abril 2018