Verão, neste país, rima com labaredas e com dor. Talvez, mais com incompreensão e despudor. De tempos a tempos, a normalidade reaparece bem composta de sorrisos triunfalistas, depois de se ver a natureza marchetada com um cinzento escaldante. Um cinzento que vai enegrecendo, pouco a pouco, com a diluição das promessas vociferadas. As ilusões se esfumam em ciclos temporais bem restritos. Tudo se vai com as mordeduras fatais das línguas de fogo que engolem vorazmente os sonhos de uma vida. De braço-dado com o pavor e a aflição.
E depois de uma onda de incompreensão, só incompreensão, tudo volta a entrar na linha da normalidade. Normalidade exasperante. Mas, tudo é normal neste pais. Não há nada a fazer. O tempo tudo apaga e a resignação de um povo habituado a ser resignado toma a dianteira. Não reage, perante intempéries escaldantes que dilaceram a alma e os sonhos de um povo esquecido nos confins de uma ruralidade em vias de desaparecer. Um povo que espera no seu cantinho que as coisas aconteçam com a naturalidade tipicamente lusa. Esperar pelo mito e iludir-se com coisa pouca. E como paga, um sorriso patético num rosto queimado pela política fanfarronada.
Ponto um - O fado português. O fado tradicional, compõe-se de lamentos, de angústias e de revoltas. Só isso basta, para se criar uma atmosfera alucinógena em que os peões se manipulam num tabuleiro previamente viciado. Agora, neste ambiente de fantasia desbragada, entra em cena o triunfalismo na desgraça. Em reforço, a segunda linha avança com a explicação do “notável”, pois tudo se resume a notável, baseada numa argumentação prosaica e deslavada de pudor. Os tempos mudaram num ápice. Aliás, tudo mudou num ápice. Antes, era abominável. Agora, sorrisos estampados num rosto carregado de cinismo execrável. Impensável num país a sério.
Ponto dois - Mais uma vez, a calamidade escaldante atingiu a nossa floresta. Atingiu a alma de um povo que se sente perdido e abandonado nas terras ásperas das montanhas agrestes. Tinha que ser. É esta a sina. Incompreensível! Perante a desgraça de Monchique, o dr. Costa vangloria-se pelo sucesso do combate. O maior incêndio da Europa com 27 mil hectares de floresta carbonizada é motivo de sorrisos e de “festa”. Muita explicação controlada para contornar e amolecer a revolta que se instalou naquelas gentes perdidas no emaranhado dos interesses e das incompreensões dos detentores do poder. Voltaram as promessas em força. Já todos conhecemos o enredo e o fim da história. Nada há a acrescentar ao guião.
Ponto três - Repete-se Pedrógão e o desastre da Beira Interior. Há um ano, foram ceifadas vidas, muitas vidas de forma horrível e trágica. Cento e dezasseis pessoas! Por incúria? Por descoordenação? Por incompetência? Pela faísca maldosa do tal eucalipto que estava no sitio errado e na hora errada? Há um ano, o dr. Costa foi de férias, fugindo às suas responsabilidades e à tragédia numa atitude imatura e condenável. Para já “a investigação doa a quem doer”, tão prometida e repetidamente exigida pelo presidente Marcelo, foi direccionada para os patamares subalternos. Como era expectável! “Balanço” final: um desastre social e uma vergonha política.
Responsabilidades?! Mais tarde se verão, talvez quando a memória de quase todos se desvanecer. Foi assim com a ponte Hintze Ribeiro.
Sucesso?! Sim muito sucesso agora com Monchique, nas palavras do dr. Costa. Não há mortos a lamentar. É verdade! Só feridos e uma grande ferida nas montanhas que eram verdes e nas casas que cederam à frieza das chamas. É este o triunfalismo de um político que perdeu a noção da realidade e das realidades. Como é possível? Eu não entendo.
Ponto quatro - A política dá que pensar para tentar percebê-la. Não consigo entrar na mente dos homens do poder. O que aconteceu em Monchique foi um grande desastre ambiental, uma calamidade social, uma afronta ao sossego daquela gente para ser encarado como uma operação de sucesso. Que sucesso é este? Eu não percebo como se pode falar em sucesso. Talvez se consiga perceber pela óptica da fanfarronice. Só pode ser.
Autor: Armindo Oliveira