Num artigo anterior, falámos do tema da confissão, que a Igreja nos lembra e recomenda com viva energia: por ser um sinal claro de que Deus é um ser perdoador como nenhum outro, desde que, obviamente, quem pede o seu perdão, o faça com humildade, reconhecendo o seu mau comportamento e, além disso, o desgosto que provocou no próprio ser divino.
O pecado é sempre um acto voluntário de quem o pratica. Não um mero acaso, uma acção absolutamente casual e não desejada. Há graus de importância nos pecados que cometemos. A divisão habitual é entre o pecado mortal e o venial. No primeiro caso, ofendemos gravemente a Deus, tendo, para tanto, plena advertência e pleno consentimento do que estamos a fazer. Além disso, a matéria deve ser grave. O seu cometimento implica a perda da graça de Deus e a ausência do mérito sobrenatural que possam ter as nossas acções, enquanto não peçamos de facto perdão a quem ofendemos pela falta cometida, com espírito humilde e arrependido.
O pecado venial com certeza que não é louvado por Deus. Trata-se de uma falta de menor importância, que não nos corta a relação com Deus de forma tão abrupta e radical, mas que exige também, da nossa parte, um constrangimento pela sua realização, pois consciencializamos que podíamos não ter feito o que fizemos e sentimos pena pela indelicadeza de tal conduta da nossa parte para com Deus.
Procurando especificar um pouco melhor a diferença, não esqueçamos que as relações com quem está à nossa volta dependem, na sua qualidade e execução, não só da proximidade afectiva ou relacional (familiar, de simples amizade, profissional, etc.), mas também do que efectivamente devemos às pessoas com quem lidamos, além, obviamente, da sua qualidade e importância real.
Pois bem: a Deus devemos tudo. A nossa natureza e as nossas possibilidades, que, em boa parte, dela dependem. Mais ainda: o fim para que existimos. Somos criaturas suas e, por isso, a vinda à existência não é contrária à vontade divina, pois tudo o que somos proveio do seu acto criador. Não existimos por acaso, ou, se quisermos, porque Deus estava distraído ou ocupado com outros assuntos mais importantes, no momento da nossa concepção. A existência de qualquer ser é algo que sempre esteve na mente divina, assim como o momento da sua concretização. Lembremos S. Paulo: Fomos escolhidos, “antes da constituição do mundo, para sermos santos” (Ef. 1, 4).
Ora, este projecto de santidade planeado por Deus para o homem, termina na felicidade completa do Céu, que é uma participação efectiva e plena na felicidade divina, em si mesma perfeita e absoluta. Deus apenas quer o nosso bem verdadeiro: em concreto, a nossa partilha com a sua eternidade felicíssima. Para tanto nos criou imortais e à sua imagem e semelhança, seres inteligentes, dotados de vontade e também de afectividade, que nos permite querer voluntariamente o que Ele nos aponta como bem e amar o que é deveras bom, a começar pela sua plena bondade – incomparável e sem qualquer defeito ou limitação.
Perante tanta generosidade divina para connosco, podemos perguntar: – Mas porque razão nos criou? A resposta é porque nos ama duma forma incontornável. Quer o nosso bem autêntico e tudo faz para que o alcancemos. Não hesitou assumir – em Cristo – a nossa natureza e oferecer a sua vida pelo resgate de todas as ofensas que cometemos. Lembremo-nos da sua bitola de perdoador: até 70 vezes 7; a sua satisfação pela nossa conversão, ao afirmar que há mais alegria no céu por um pecador que se arrepende do que por noventa e nove justos que não necessitam de penitência. E enfim, ensinando-nos que nos devemos amar uns aos outros como Ele nos amou, não de uma forma teórica: no Calvário, comprovou incomparavelmente que é o nosso melhor amigo, pois não há maior prova de amizade – assim se exprimiu na sua pregação – do que aquele que dá a vida pelos seus amigos.
Pedir perdão a Deus é necessidade de uma alma simples e reconhecida. Se às vezes custa, descobriremos sempre em nós sombras de orgulho e de ingratidão.
Autor: Pe. Rui Rosas da Silva