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Pensar mais em Deus durante a pandemia

Estamos no meio de um estado de vida social e profissional complexo. A pandemia trouxe a todos nós um estado de insegurança e de incomodidade perante o presente e o futuro. Não contávamos com uma situação tão intrincada, apoiados pelo avanço da ciência, nomeadamente da medicina. Há meses atrás parecia-nos impossível que acontecesse o que vemos e lemos, dia após dia, nos “media”. Para estes, o Covid-19 é um pudim saboroso que facilita a vida e o trabalho de informar. A mortandade quotidiana, em todas as partes do nosso planeta, incluindo a dos países mais avançados tecnologicamente, assusta qualquer mortal e lembra-lhe uma realidade que muitas vezes procuramos ignorar e não ter em conta nos passos que vamos dando. Lembremos o que nos observa a Epístola aos Hebreus (13, 15): “(...) aqui, não temos morada permanente”.

Esta afirmação é confirmada pela actual pandemia duma forma tão evidente, que muitas pessoas como que são “obrigadas” a pensar seriamente sobre o sentido desta existência terrena. Como diria o povo, “Não viemos para ficar”! Esta conclusão, porém, exige de nós uma reflexão chamativa sobre o sentido da vida. Na verdade, o panorama, à nossa volta, é um convite para verificarmos se estes anos que passamos na terra são os únicos que se encontram ao nosso alcance, ou se, pelo contrário, não passam de uma espécie de patamar que é necessário transpor até encontrarmos e entrarmos pela porta da eternidade.

Quem vive o seu dia a dia virado apenas para o presente, ou melhor, acreditando que só aqui, neste planeta, pode encontrar a felicidade, creio que, nas circunstâncias actuais, terá sérias dificuldades em descobrir qualquer explicação lógica sobre se vale a pena ou não lutar por alguma causa digna, que supere o mero individualismo egoísta em que facilmente se cai. De facto, posso conseguir bons meios materiais e todo o tipo de recursos que me levem a usufruir de um nível de vida confortável e, inclusivamente, granjear possibilidades que ajudem os outros a melhorar o seu. É nobre.

Mas se o Covid-19 me assalta e me mata, qual o sentido autêntico e objectivo de todo o meu esforço? Não seria mais justo que uma pessoa que pensou não somente no seu bem estar, mas no dos outros e até melhorou e solucionou, com a sua fortuna e trabalho árduo, as condições de vida de seus congéneres, pudesse ultimar ou prosseguir o seu bem fazer? Parece existir alguma força maligna que extirpa os bons e facilita a prosperidade de quem faz de si o centro do mundo, revertendo a seu favor, com mais ou menos honestidade, os proventos que conquista.

A pandemia actual é um convite perigoso a encerrar-me em mim e no meu pequeno mundo. A ver nos outros hipotéticos portadores da infelicidade que trunca os meus anseios de uma humanidade melhor, pois podem transformar-se em portadores do vírus chinês, que não distingue os bons dos maus. Onde está a justiça, vale a pena lutar?

Não foi assim que Jesus Cristo nos ensinou a pensar e a comportar-nos. Deu a vida por nós, não para que esgotássemos todas as energias aqui neste mundo e nos contentássemos com aquele grau de felicidade que ele nos pode proporcionar, mas para nos preparar para o além-túmulo no Reino dos Céus, perdido pelo homem com o pecado. Pouco antes de morrer na Cruz, ensinou-nos que o perdão depende da mansidão e da humilde que existe no coração, quando exclama: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem!” (Lc 23, 34), pensando naqueles que O condenaram à crucifixão. E alegra-nos com a qualidade incomensurável do seu mesmo perdão, quando diz ao ladrão arrependido: “Hoje mesmo, estarás comigo no paraíso” (Lc 23, 43). Aliás, de quem nos ensinou a desculpar até setenta vezes sete a quem nos ofende não era de supor outra atitude. E mais, ainda teve tempo para nos dar a sua Mãe, Nossa Senhora, como nossa Mãe (Jo 19, 24-27), a fim de que ela, com o seu carinho protector, nos facilitasse e protegesse o caminho que teremos de percorrer até alcançar o reino dos Céus.


Autor: Pe. Rui Rosas da Silva
DM

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23 novembro 2020