A palavra «Páscoa», derivada do hebraico através do grego, tinha, nas suas origens, relação com o ritual de imolar um animal jovem do rebanho, de partilhar a sua carne em refeição festiva e de usar o seu sangue com valor expiatório, na primeira lua cheia de Primavera. Diz o Livro do Êxodo: «O sangue será para vós um sinal nas casas em que vós estais. Eu verei o sangue e passarei ao largo; e não haverá contra vós nenhuma praga de extermínio, quando Eu ferir a terra do Egipto» (12, 13): «Aquele dia será para vós um memorial, e vós festejá-lo-eis como uma festa em honra do Senhor... como uma lei perpétua» (v. 14).
Nos versículos seguintes, explica-se o que devem fazer: com o sangue do animal imolado e a ajuda de um ramo de hissopo, depois de mergulhado nele: marcarão o dintel ou padieira da porta da casa e as duas ombreiras. Não sairão de casa até de manhã. «O Senhor passará para ferir o Egipto, verá o sangue sobre o dintel e sobre as duas ombreiras da porta, e o Senhor passará ao largo da porta e não deixará que o Exterminador entre nas vossas casas para ferir». (v. 22 e 23) E quando os filhos lhes perguntarem a razão de tal serviço cultual festivo, responderão: «É o sacrifício da Páscoa em honra do Senhor, que passou ao largo das casas dos filhos de Israel no Egipto, quando feriu o Egipto e salvou as nossas casas"». (v. 27).
Do sentido "saltando sobre ou passando ao largo" das casas marcadas com o sangue, isto é, salvando da morte os primogénitos, – a 10.ª praga que fez o Faraó deixar sair o povo a caminho da sua terra –, passou a palavra Páscoa a significar, primeiro, libertação da opressão e, depois, com Cristo que por nós se ofereceu na Cruz, a libertação da escravidão do pecado e da morte.
Os judeus continuam a celebrar a Páscoa de acordo com o ritual estabelecido no mencionado cap. XII do Êxodo e, porque seguem o calendário lunar, a data de celebração raramente coincide com a da Páscoa dos cristãos, que obedece à reforma do calendário solar, em 1582, pelo papa Gregório XIII. Hoje, há 13 dias de diferença para com o calendário juliano.
O sangue do cordeiro espargido sobre o dintel e ombreiras da porta salvou da morte os primogénitos dos hebreus. O sangue de Cristo derramado na Cruz, Ele, sim, o verdadeiro Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, salvou e continua a salvar-nos todos os dias, porque a Páscoa de Cristo não é uma simples recordação de algo acontecido no passado, mas o memorial da Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor, que se torna realmente presente no sacramento da eucaristia.
E as procissões e vias sacras? Podem ajudar a recordar, a tocar mais fundo o nosso coração para que adira de verdade a esta entrega e oblação amorosa de Jesus, mas não fazem o que só na missa ou Eucaristia se realiza e celebra: Cristo realmente presente, oferecendo-se por nós em oblação que nos liberta e nos salva do pecado e da morte.
Quem apenas se limitou a ver uma procissão ou uma via-sacra, mas não tomou parte na eucaristia, não celebrou verdadeiramente a Páscoa. Para os judeus, porque é apenas uma recordação cultual de um feito marcante do passado, a Páscoa não tem o valor da Páscoa cristã. A diferença entre as duas é total, embora a Páscoa cristã seja iluminada pela Páscoa judaica, uma vez que nos ajuda a compreender que o verdadeiro Salvador não é o sangue de um animal espargido sobre a padieira e ombreiras de uma porta, mas o sangue de Cristo derramado na Cruz e tornado sacramentalmente presente na eucaristia como o "sangue da Nova e Eterna Aliança".
São Beda Venerável, nas Homilias sobre os Evangelhos, 2, 5 explica bem: «..Páscoa significa espiritualmente que o Senhor, naquele tempo passaria deste mundo para o Pai, e que os fiéis, seguindo o seu exemplo, abandonando os desejos mundanos e a escravidão dos pecados, pela prática contínua da virtude, devem passar à pátria definitiva que lhes foi prometida».
A Páscoa por excelência é a passagem de Cristo ao Pai, através da morte sofrida na cruz e a sua gloriosa ressurreição. Por isso, a mais plena celebração da Páscoa é a que tem lugar cada vez que se celebra a Eucaristia, porque é nela que se actualiza de verdade a Páscoa de Cristo, o sacrifício que ofereceu uma vez para sempre, para operar a nossa redenção.
Autor: Carlos Nuno Vaz