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Para turista ver

A instabilidade de mercados turísticos concorrentes, a multiplicação de rotas aéreas de baixo custo, as novas modalidades de alojamento, a qualidade da oferta e das infraestruturas, a competitividade e a aposta na promoção ajudam a explicar este crescimento. A primeira má notícia é que um tal cenário também está vinculado a factores externos que nos ultrapassam, como a luta contra o terrorismo. A segunda reside no facto de Portugal não ter propriamente um curriculum invejável em termos de políticas concertadas e sustentadas, seja qual for o sector. E à fase do enamoramento sucede, por vezes, um período de nojo.   

É o que acontece hoje em Veneza, Barcelona ou Dubrovnik. Grupos de cidadãos manifestam-se com alguma virulência contra o turismo de massas, a gentrificação dos centros urbanos e a perda de qualidade de vida dos residentes destas metrópoles transformadas em imensos parques temáticos para turista ver e consumir. Mas não se trata de um mero confronto entre residentes e forasteiros. A questão é bem mais profunda. Requer a implementação, para além das estatísticas, de uma oferta de qualidade, no respeito pelas pessoas, o ambiente e o património. 

Quando procuramos um lugar para momentos de lazer (restaurante, hotel, cruzeiro, etc.), não faltam sites com ofertas promocionais, avaliações e testemunhos de clientes, certificados de qualidade. Mas por que não integram essas classificações itens como as condições de trabalho e de remuneração dos funcionários, a participação da estrutura na promoção da qualidade de vida local (meio ambiente, consumo, residentes, tradições, etc.), entre outras variáveis?

Não integram porque é necessária uma vontade política que se sobreponha aos meros interesses económicos conjunturais. Não basta denunciar casos como aquele que envolveu, há dias, um restaurante da Baixa de Lisboa por prática de preços exorbitantes. É preciso envolver as populações locais, dar condições efectivas aos profissionais do sector, fiscalizar o cumprimento da legislação laboral, elaborar um verdadeiro ordenamento turístico, estabelecer e aplicar códigos de conduta aos visitantes, limitar eventualmente o acesso a alguns lugares, entre outras medidas.

Também não podemos esquecer que uma parte daqueles que hoje visitam o nosso país são portugueses e/ou lusodescendentes. “Se está em Portugal, fale em português”, rezava o anúncio momentaneamente afixado, no início do mês, na entrada das urgências de pediatria do Hospital de Braga. Uma tal intimação não é apenas um atestado de ignorância passado ao(s) seu(s) anónimo(s) autor(es), mas recorda-nos que saber receber não se confina ao hall do hotel, à mesa do restaurante ou à entrada do monumento. É a responsabilidade de todos.

 


Autor: Manuel Antunes da Cunha
DM

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19 agosto 2017