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Os pobres não são um problema: são um recurso para viver a essência do Evangelho

Aliás, foi o serviço aos pobres que distinguiu as primeiras comunidades cristãs. São Tiago encarregou-se de nos questionar: «De que serve dizer que se tem fé, se se desonram os pobres?» Se a fé não é seguida das obras, é uma fé morta. (Tg, 2, 5-6. 14-17)

Ao longo da história, o Espírito Santo fez com que aparecessem homens e mulheres que, com o seu amor real e concreto aos pobres, levaram os cristãos e a Igreja a fixar o olhar no essencial. E estes escreveram páginas e páginas onde transparece a generosa «fantasia da caridade». Entre todos, sobressai Francisco de Assis, que decidiu ir a Gúbio «para estar juntamente com os pobres». E ali descobriu que, o que antes até lhe causava repugnância, o tinha levado a sentir «doçura de ânimo e do corpo. Este testemunho manifesta a força transformadora da caridade e do estilo de vida dos cristãos».

Não bastam as experiências fugazes de contacto com a pobreza, embora importantes para sensibilizar para as necessidades de tantos irmãos e a descoberta das injustiças que as causam. Tais experiências devem levar «a um verdadeiro encontro com os pobres, fazendo com que a partilha generosa se torne um estilo de vida. De facto, a oração, o caminho do discipulado e a conversão encontram na caridade que se faz partilha a verificação da sua autenticidade evangélica. E deste modo de viver derivam a alegria e a serenidade de ânimo, porque se toca com as mãos a carne de Cristo. Se realmente quisermos encontrar Cristo, é necessário que toquemos o corpo chagado dos pobres...

O Corpo de Cristo, partido na sagrada liturgia, deixa-se encontrar na caridade partilhada nos rostos e nas pessoas dos irmãos e das irmãs mais débeis». Não em vão São João Crisóstomo nos advertia que não faz sentido honrar o Corpo de Cristo eucarístico com paramentos de seda e descurar o outro Cristo que, no pobre, está aflito pelo frio e a nudez.

«Nós somos chamados a estender as mãos aos pobres, a encontrá-los, o olhá-los nos olhos, a abraçá-los, para lhes fazer sentir o calor do amor que destrói o cerco da solidão. A sua mão estendida para nós é também um convite a sair das nossas certezas e comodidades e a reconhecer o valor que a pobreza constitui em si mesma».

Não esqueçamos que, para os verdadeiros discípulos de Cristo, a pobreza é antes de mais uma 'vocação a seguir Jesus pobre'. É um caminho de seguimento de Jesus e com Jesus, um caminho que conduz à felicidade do Reino dos Céus. Pobreza significa um coração humilde que sabe acolher a própria condição de criatura limitada e pecadora, para superar a tentação de omnipotência que nos dá a ilusão de sermos imortais. A pobreza é uma atitude do coração que nos impede de pensar em acumular dinheiro, de pensar na carreira e no luxo como objectivos de vida e condições de felicidade.

«Pelo contrário, é a pobreza que cria as condições para assumir livremente as responsabilidades pessoais e sociais, não obstante os próprios limites, confiados na proximidade de Deus e sustentados pela sua graça. Assim entendida, a pobreza é a medida que permite avaliar o uso correcto dos bens materiais, e também o viver de modo não egoísta e possessivo as relações e os afectos». Isto ensina-o o Catecismo da Igreja Católica nos números 24 a 45.

É difícil, no mundo de hoje, identificar de maneira clara a pobreza, porque ela tem muitos rostos: dor, marginalização, abuso, violência, torturas, prisão, guerra, privação da liberdade e da dignidade, ignorância, analfabetismo, emergência sanitária, falta de trabalho, tráfico de seres humanos, escravidões de vário tipo, exílio, miséria, migração forçada. «A pobreza tem o rosto de mulheres, homens e crianças abusados por interesses vis, esmagados por lógicas perversas do poder e do dinheiro. É um elenco impiedoso e incompleto das diversas formas de pobreza causadas pela injustiça social, pela miséria moral, pela avidez de uns poucos e a indiferença generalizada».

 

A resposta a tudo isto só pode vir de uma nova visão da vida e da sociedade, reagindo à cultura do descarte e do desperdício, com a cultura do encontro, descobrindo quão decisivo é que saibamos viver com o essencial e abandonados à providência divina. O Pai Nosso é a oração dos pobres. O pão que se pede é para todos, o que implica partilha, participação e responsabilidade comum. Nesta oração, experimenta-se a exigência de superar todas as formas de egoísmo para aceder à alegria do acolhimento recíproco.


Autor: Carlos Nuno Vaz
DM

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2 julho 2017