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Os Cuidados Continuados: projeto inovador e seu desenvolvimento

Quando em 2006 foi criada a Rede dos Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), pelo Decreto-Lei n.º 6 e 100 / 2006, que se constituiu como um novo modelo organizacional dos Ministérios da Saúde e do Trabalho e da Solidariedade Social, foi determinado ser constituído por um conjunto de Instituições públicas e privadas, que passavam a prestar cuidados continuados de saúde e apoio social. Este serviço, ao ser implementado com visão futura e a desenvolver-se progressivamente, foi um projeto marcante do governo de Jose Sócrates e dos técnicos que o idealizaram, com prevenção para o envelhecimento acentuado da população do país. Através da implementação de um novo modelo de cuidados que se pretende desenvolver e dar informação aos utentes ou seus familiares, quanto ao seu comportamento, com o objetivo de proporcionar os cuidados adequados a cada situação. Na altura foram previstas 13 000 camas, tendo em vista atenuar os graves problemas com que os lares se debatiam, considerando que começou a haver muitos utentes com grande dependência e os lares passaram a acolher os utentes que deviam permanecer nos hospitais, e quando os lares não reuniam condições para os acompanhar com os cuidados adequados ao seu estado de saúde. Os lares não foram criados com esse fim, donde a necessidade de incrementar esta nova unidade de saúde. Na origem desta RNCCI a União das Misericórdias teve um papel importante, quer na sua constituição, quer na sua implantação e implementação, chegando as Misericórdias a ter mais de 50% das camas dispersas por todo o país, vindo as IPSS e privados a seguir o mesmo caminho. No segundo governo de José Sócrates houve um maior incremento desta inovadora e importante vertente do SNS, através da visão do Secretário de Estado Dr. Óscar Gaspar e da Dra. Inês Guerreiro, coordenadora da Unidade de Missão para os Cuidados Continuados Integrados. Este governante já afirmava ao tempo que os custos de internamento de um utente numa unidade de cuidados continuados “são muito inferiores aos de um hospital público”. Atualmente o custo de um doente em cuidados de longa duração num hospital público, até que tenha alta, e muitos outros que permanecem ali meses por falta de apoio familiar ou por serem carenciados, custa ao governo seis vezes mais do que o valor recebido pelas Misericórdias ou outras Instituições de Solidariedade Social. As Misericórdias e outras IPSS apostaram com grande amor ao próximo e dentro da sua missão, prestando apoio aos mais necessitados, trabalhando em complementaridade com os governos na RNCCI, e tiveram e têm uma ação importante desde a sua criação, considerando o envelhecimento e evolução demográfica do país, funcionando como retaguarda de apoio aos hospitais públicos, para receber doentes em convalescença, em média e longa duração. Por motivos de ordem diversa, independentemente do governo, a rede dos cuidados continuados não teve o desenvolvimento que devia ter, pois face ao valor diário pago pelo SNS / IPSS, principalmente na longa duração, já com tendência para os paliativos, trouxe problemas graves de sustentabilidade, além do acentuado atraso no pagamento, o que levou a fechar diversas unidades e outras, que se tinham prontificado para enquadrar esta rede. Estas não deram seguimento aos projetos por não terem sido contempladas com verbas no Portugal 2020 para novas unidades da RNCCI. Em 2016, no Fundão, no Congresso Nacional das Misericórdias, o Primeiro-Ministro António Costa, anunciou mais 8000 camas, para além das já existentes, lembrando a paragem que a rede sofreu, referindo também ser importante dar nova vida às questões sociais e redesenhar as políticas sociais na sua abrangência e ainda transmitir que a parceria entre o Estado e o setor social “deve ser reconhecida, valorizada e reforçada”, e disse que o papel da cooperação público social é absolutamente crucial e incontornável. A evolução das camas da RNCCI não tem correspondido às necessidades emergentes do país. Em 2006 foram anunciadas 13 000 camas e em 2016 já se previam 15 000, no entanto em 2017 havia apenas 8 637 camas e em janeiro de 2020 existiam 9 033 camas. Os Lares tornaram-se parcialmente unidades de cuidados continuados, sem terem condições para o efeito e não sendo essa a sua missão e responsabilidade protocoladas com o Estado, mas neles residem entre 55 e 65% de utentes na situação de acamados ou com deficientes condições de mobilidade ou de natureza psiquiátrica. Os governos, independentemente do seu arco partidário ou ideológico, devem colocar em primeiro lugar os cidadãos e os projetos com continuidade e eficiência, pois podem levar anos a implementar. Este projeto nacional da RNCCI, que foi inovador no país, foi acompanhado em proximidade por grandes especialistas, dando-se como exemplo a unidade Bento XVI, em Fátima, da União das Misericórdias Portuguesas, bem como outras unidades dispersas pelo país. O desenvolvimento deste projeto de forma progressiva desde o seu início teria sido fundamental neste período pandémico do coronavírus e a população idosa não teria sido tão afetada, nem teriam sido atribuídas indevidamente tantas responsabilidades às instituições do setor social. Nos lares das Misericórdias a percentagem de mortos, a nível nacional, foi de 0,37% até à primeira quinzena de maio (em 35 mil utentes, verificaram-se 128 óbitos), sendo de realçar o mérito do trabalho realizado, com carinho, dedicação e amor ao próximo pelos funcionários, profissionais de saúde e pelas direções técnicas, a quem é devida uma palavra de reconhecimento pelo serviço prestado, evitando consequências ainda mais gravosas para o país, cujo trabalho foi reconhecido recentemente pelo Sr. Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa. É de realçar que em período de crise as Misericórdias e outras Instituições de Solidariedade Social, se agigantam face aos reduzidos meios financeiros disponíveis e ao trabalho realizado quando não têm hospitais ou unidade de cuidados continuados.
Autor: Bernardo Reis
DM

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7 junho 2020