O mundo noticioso esteve no dia de Páscoa de olhos voltados para o Sri Lanka. Não tem sido inusitado que, pela mesma altura, ocorra em algum lugar do planeta o incompreensível assassinato de cristãos no dia em que eles se encontram a comemorar a vitória de Jesus Cristo sobre a morte. A brutal surpresa é o sítio e a dimensão da tragédia. A chacina dos cristãos, desta vez, não se verificou numazona comuma exacerbada tensão religiosa ou com grupos atemorizadores de fanáticos religiosos. Foi, pois, totalmente inesperado que o morticínio tenha sucedido no país chamado Taprobana no tempo de Luís de Camões e tenha vitimado um número tão elevado de pessoas: 359, mortas na sequência de atentados que visaram, designadamente, a Igreja de Santo António, na capital, Colombo; a Igreja de S. Sebastião, na cidade de Negombo, nos arredores da capital e uma igreja evangélica em Batticaloa, na Província Oriental.
“A violência é exercida para desafiar os nossos valores democráticos, fundados e partilhados em tempos mais sãos. Quando se fazem explodir bombas, colocam-se em causa os nossos instintos mais naturais de segurança e, simultaneamente, enfraquecem-se os nossos valores e erodem-se as nossas liberdades. Quando permitimos que isto aconteça, ajudamos a que os bombistas triunfem.” O texto que um académico do Sri Lanka, Samuel Ratnajeevan Herbert Hoole, publicou num dos jornais do país, o Daily Mirror, na sequência dos atentados, não destoou de idênticos apelos à concórdia. É que, perante 359 mortos, poderia ter sido o impulso para a vingança a prevalecer.
A jornalista Amra Ismail escutou homens e mulheres que transmitiram ao Daily Mirrorque os atentados implicam um pequeno grupo de fanáticos, mas não a comunidade muçulmana. O conjunto de depoimentos recolhidos sob o título “O Sri Lanka permanece unido”, cujos autores são maioritariamente muçulmanos, reivindica a necessidade de encontrar formas de fortalecer a harmonia entre as comunidades e elogiaa paciência e a tolerância da comunidade cristã.
Condenando veementemente os atentados, o presidente do Conselho Muçulmano do Sri Lanka, N.M. Ameen, anunciou uma iniciativa pouco habitual: “Pedimos às mesquitas para recolherem fundos para reconstruir as igrejas e ajudar as pessoasafectadas”. Além disso, prometeu “uma oração especial” pelos mortos e pelos que sofrem. N.M. Ameen garantiu que, no país, os muçulmanos não têm tido conflitos e convivem com os cingaleses, tâmiles e cristãos. “Precisamos de reconstruir esses relacionamentos. Cada pessoa deve trabalhar para isso”. O presidente do Conselho Muçulmano do Sri Lanka, revelando que o organismo por ele presidido denunciou a organização responsável pelos ataques terroristas, sem que isso tenha sido tido em conta pelas autoridades, expressou “a mais profunda simpatia pelos nossos irmãos cristãos”.
Um budista, Dambara Amila Thera, da Universidade de Nalanda, elogiou igualmente a atitude dos cristãos, notando que se passaram poucos dias das explosões, “mas nenhuma pessoa muçulmana, nenhuma mesquita foi atacada”. Disse ele que a comunidade cristã nada fez para insultar o Islão, apesar de 359 pessoas terem morrido e ter sido provado que foram extremistas islâmicos os responsáveis por essas mortes. Expressou, por isso, a sua gratidão pela paciência que as pessoas demonstraram e exortou os políticos anão despertarem o racismo com o propósito deobterem vantagens políticas e de aumentarem a sua base eleitoral. “O terror infligido ao Sri Lanka visou causar sofrimento, instilar medo e pânico, e destruir as nossas comunidades. Não podemos ceder a isso”. É verdade: quando a capitulação se verifica, regista-se a primeira vitória dos terroristas, mas importa fazer muito mais para que qualquer comunidade religiosa e os cristãos em particular – “cada vez mais perseguidos”, como informava um relatório citado pela revista francesa Le Pointna quinta-feira – não estejam tão desprotegidos na linha de mira de todo o género de fanatismo.
Autor: Eduardo Jorge Madureira Lopes