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O saber grego e o saber judaico (I)

  1. Não sendo eu grego nem judeu…). Daí que fale à vontade e sem complexos, sobre este importantíssimo e tão vasto tema. Mas que se pode resumir na ideia geral do contraste entre a sabedoria (científica) que, desde o séc. V a. C., os antigos gregos foram criando, elaborando e logo partilhando com todos os outros homens e nações do Mundo. E a sabedoria (filosófica, ultra-racionalista, comercial e política), que os sacerdotes e estudiosos judeus foram decantando e solidificando em muitos livros, desde poucos séculos depois. E que guardaram sempre apenas para si próprios. Uma atitude que, de início, foi uma opção mais ou menos aceitável (ainda hoje se diz que “o segredo é a alma do negócio”…); mas que, nas futuras perseguições medievais (e modernas) aos judeus, demonstrou ser uma arma valiosa de sobrevivência e coesão nacional. Falo aqui, basicamente, do Talmude; composto pela Mishná (as leis orais que completam as leis religiosas) e pela ainda mais importante Guemará (muitos comentários e elaborações, sobre a Mishná e outros materiais). Há duas antigas compilações: o Talmude de Jerusalém e o Talmude de Babilónia. Muito mais moderna é a edição de 1833, considerada “standard”, publicada em Vílnius, na Lituânia. O Talmude parte da Torá (ou Pentateuco, os primeiros 5 livros do Antigo Testamento). E originou um modo característico de interpretação bíblica, o Midrash.

  2. A Ciência grega, desde o séc. V. a.C.). Desde esta época que, entre o pequeno e notável povo (originado pelas invasões e colonização de Eólios, Jónios e Dórios ao território helénico dos Micénios e Aqueus) floresceram a Filosofia e as Ciências. Entre tantos outros nomes, recordemos os filósofos (ainda relativamente incipientes) que foram Sócrates, Platão, Aristóteles, Epicuro, Zénon ou Possidónio. Ou o astrónomo e geógrafo (e cronologista) Eratóstenes, que afirmou que a Terra era um globo, que procurou medir. Sobre este ponto, aliás, parece impossível que este facto demorasse tantos séculos a ser estabelecido, uma vez que basta observar desde uma colina os grandes barcos a desaparecerem no horizonte… Mas continuando. Há os grandes matemáticos e físicos Euclides e Arquimedes. Os astrónomos Aristarco de Samos (heliocentrista) e Hiparco de Niceia. E na filologia, Aristófano de Bizâncio, Aristarco de Samotrácia ou Dionísio da Trácia. Na incipiente medicina, Herófilo, Erasístrato ou Hipócrates. E a par da ideia de Escola (e de Liceu) ou de Academia, também as ideias de Museu e de Biblioteca (como em Alexandria e Pérgamo). E há a notável arquitectura, só comparável à dos egípcios antigos. Tudo se criava para oferecer ao Mundo, a todos os povos, não para esconder dos outros. E os europeus herdaram dos gregos este espírito.

  3. O espírito universalista do “saber grego”, propagado pelos Romanos). Roma conquista a Macedónia e a Grécia no séc. II a. C., mas continua a respeitar imenso a cultura grega. Quando, desde o séc. IV d. C., Roma se vai tornar cristã, e é vencida pelos Bárbaros, os valores da Ciência grega são algo esquecidos e obnubilados pelos preceitos da nova Religião. Esta, é curiosamente originada numa profundíssima dissidência da velha religião dos Judeus, que de modo algum, alguma vez aceitarão o novo Messias (Jesus Cristo), o Fundador do Catolicismo Cristão. Serão curiosamente os árabes que traduzirão para a posteridade alguns dos principais escritos da Antiguidade helénica. Os quais apenas serão “redescobertos” e valorizados a partir do Renascimento, do séc. XV em diante.

  4. Viver no Deserto, obriga os povos a ser económicos e racionalistas). Diferentemente dos vizinhos que vivam em regiões mais férteis, húmidas e ricas. Os primitivos Judeus, originários de Ur da Caldeia (sudeste do actual Iraque) foram de lá expulsos para o deserto, no tempo de Abraão, talvez no séc. XV a. C.. No deserto tem de se poupar, pensar, mentir, sobreviver, usar os recursos quase inexistentes. Olha-se à noite para o céu limpo e estuda-se o “movimento” das estrelas. Conta-se o tempo. Entre 1500 a. C. e 70 d. C. (destruição de Jerusalém por Tito), todo o povo de Israel viveu em desertos ou sub-desertos. O seu apogeu terá sido o tempo dos reis David e Salomão (séc. X. a. C.). Eram poucos, mas alfabetizados, monoteístas e racionalistas, muito à frente da maior parte dos povos dessas épocas recuadas. A valorização do Talmude e do Racionalismo aumentou, com as perseguições etno-religiosas de muitos países europeus, já na Idade Média. E fez aumentar o seu espírito messiânico e crença (irracional) de que um dia Deus os fará ser donos de todo o Mundo. Para muitos talmudistas experimentados, aliás, as sucessivas e tão prezadas escolas da Filosofia europeia merecerão apenas, um fundado, condescendente e irónico desprezo de superioridade, da Guemará e da Mishná.


Autor: Eduardo Tomás Alves
DM

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30 março 2021