Toda a gente fala no progresso como uma coisa extraordinária. Parece que o amanhã será como o sol que nasce depois da tempestade e tudo será nova alvorada. O progresso que inventou a roda, a máquina a vapor, o avião e se estende e expande nas tecnologias que conhecemos tem o elã da novidade e o benefício da menorização do esforço humano. Foi à Lua, é verdade, mas que benefícios trouxe à humanidade; vai a caminho de Marte, com que objetivos para os humanos? Tem a aspiração de se aproximar do Sol sem lhe acontecer como Ícaro, mas que lucramos com isso, pergunta a opinião de multidões. Diretamente, nada. Mas será o nosso interesse humano egoísta o único determinante para a curiosidade científica? E depois quem pode garantir que destas experiências não advenham benefícios a níveis vários, desde aplicações em eletrodomésticos, como aconteceu com o micro ondas, a televisão, os telefones, os computadores, ou mesmo em benefícios para a saúde? Não podemos ficar na mediocridade de olharmos as coisas pelo utilitário sob perigo de vermos neste imobilismo uma pinta no olho e não o olho todo. Mas há outra face: o progresso é um tirano sem qualquer piedade: desemprega pessoas prejudicando famílias, retira o direito ao trabalho,os menos aptos passarão a analfabetos e na sua inconstância de passos apressados, cria nos humanos a incerteza, faz do futuro o dia de hoje e o dia de hoje o dia de ontem. Para que vais ao banco fazer pagamentos, transferências, controlo de contas, se tudo podes fazer no teu computador? Se queres marcar uma consulta, receber o resultado das análises, ser consultado no domicílio, saber dos teus deveres e direitos fiscais, para que vais aos balcões de alguma destas instituições? Podes fazê-lo sem sair de casa. Mas isto é bom porque acaba com as filas de espera ou as fichas das repartições. São benefícios do tal progresso, mas, lá vem a sapatada depois das palminhas, onde estão as pessoas que desempenhavam estas funções? Começam a sobrar por todos os lados e é por isso que vemos diariamente despedimentos às centenas, e balcões que fecham em catadupa. Onde estão os guardas fronteiriços e ou os portageiros das autoestradas? Na aposentação ou nas rescisões amigáveis, ou foram chutados compulsivamente. Mas isto pode remediar-se? Isto é, podemos travar o progresso em prol do emprego? Dos velhos empregos é evidente que não. Outros empregos serão criados, mas a verdade é que onde trabalhavam cem, agora bastam dez ou menos. O progresso, nesta sua versão tirânica, jamais poderá ser travado nem que um exército de imobilistas o pudesse fazer. Este tirano, a que damos o nome de progresso , por um lado rouba por outro lado dá. Este Zé do Telhado que era ladrão para uns e anjo para outros, tem em sua génese esta dualidade. Num futuro/hoje até os que ainda têm emprego serão mandados embora; a inteligência artificial os desempregará, pelo menos a médio prazo. Não se incomodem com a renovação geracional. Os que estiverem, sobrarão. Se o desempregado não tem dinheiro para gastar de que serve tanta produção? Então, a grande produção, provocada pela aplicação da inteligência artificial, pode virar um caos. De duas uma: ou pagam para as pessoas gastarem, mesmo sem trabalhar, ou produzirão para armazém. Será expectável a produção empresarial por quotas? Sem ser profeta, que para isso nos falta o dom, parece ser lógico esperar que a economia, as finanças, as leis do emprego, os objetivos escolares, os transportes, etc.etc., terão que se adaptar a este novo caos; terão que ser outros valores a enformar novos sentimentos de ser pessoa. A aceitação far-se-á com o vigor do inevitável.
Autor: Paulo Fafe