Vai para 40 anos que iniciei, como colunista social, esta minha presença semanal, aqui; e esta minha experiência de cronista assíduo obedeceu à concretização do desafio que me foi lançado pelo então diretor do Diário do Minho, o meu bom Amigo Monsenhor Silva Araújo.
Pois bem, foi em 27 de março de 1985 que, enfunando velas e empunhando o leme, escrevi a primeira crónica na coluna que batizei de Á Mesa do Café; e, semanalmente, um punhado de crónicas se sucederam, num ritmo frenético e apaixonado.
Justifiquei, então, na abertura de Á Mesa do Café que esta far-se-ia, semana a semana, de coisas e loisas do dia-a-dia das pessoas e instituições – pessoas que se cruzam nas ruas, se aproximam nos cafés, se entrechocam aos balcões, se acotovelam nas filas, se comprometem nos empregos; e far-se-ia também da verdade e da grandeza dos que acreditam nos outros como vizinhos, amigos e, sobretudo, pessoas.
Todavia, a 24 de setembro de 1986, findo o período de férias, reinicio um novo ciclo de crónicas que intitulei de Postais d 'Arcada e se prolonga até 6 de maio de 2009, quando é alcançada a mágica soma de mil Postais; e esta nova aventura foi uma forma de homenagear a já pouco usual comunicação através de cartas, postais e mensagens escritas, substituída pelo aparecimento e divulgação dos meios audiovisuais.
Foi um período fértil em recados, achegas, críticas e sugestões a governantes, autarcas e outras entidades públicas e privadas no intuito de mudarem, corrigirem, acertarem as suas decisões a bem do povo e, consequentemente, do país; e, para quem não sabe ou não leu os Postais d'Arcada, eles sempre se pautaram por críticas, achegas e sugestões moderadas, construtivas e assertivas, sem ofender e, muito menos, difamar, fossem homens ou fossem instituições.
Os Postais d 'Arcada, escrevi então, não nascem por acaso, mas move-os a necessidade de dar voz aos que a não tem, de dar força às minorias, de lutar pelo direito à diferença e em defesa dos humilhados, ofendidos e explorados das sociedades modernas consumistas, hedonistas e desumanizadas e contra a intolerância, a prepotência e a injustiça.
Foram, pois, os Postais um grito de protesto contra a coisificação da vida e das consciências num mundo cada vez mais dominado pelo lucro fácil, pela corrupção, pelo compadrio, pelo clientelismo e pela completa ignorância e desrespeito dos meios para se atingir os fins; mormente, pela condenação das ideologias fanáticas, totalitárias e relativistas tão em voga nos tempos modernos.
Após esta longa saga dos Postais d'Arcada que encerra no milésimo Postal, chegam as Nortadas em 9 de setembro de 2009, também semanalmente e às quartas-feiras; e não, obviamente, em forma de elementos naturais e meteorológicos, mas de crónicas da vida real onde as chamadas de atenção e reflexão sobre a vida nacional abundam as farpas, sobretudo políticas; além do mais, são crónicas reais, vivas e concisas que façam as pessoas parar, por cinco minutos que seja, a fim de refletirem e dizerem não à fúria moderna, louca, vazia e fria de viver e de não dar tempo ao tempo que ponha cobro à pressa de viver, de chegar primeiro, de passar à frente, atropelando e empurrando, que vai sendo a forma comum de ser e de estar na vida.
Agora, nesta pausa e recuo que faço a quase 40 anos de colunista semanal, aqui, concluo não ter sido fácil, porque algumas mágoas e dores me têm sido cobradas; tantas ou mais dores como as que sofre quem pare um filho ou diz adeus, para sempre, a um ente querido; e também já perdi amigos, sofri insultos e colhi ameaças, mas muitas alegrias também colhi e estas, seguramente, vão suplantando aqueles; e, por isso, nada me impede de continuar a lutar, mesmo sabendo que o faço, muitas vezes, com armas de pau contra armas de ferro.
É que, de muito novo, me habituei a viver com fracassos, afrontamentos e desilusões e a levantar-me sempre que caísse; sobretudo, sabendo como sei, sentindo como sinto que, quando se acredita firmemente naquilo que se faz, a força que se tem e a razão que nos assiste capaz é de mover montanhas ou parar oceanos; por isso, as Nortadas continuam até que a razão me assista e Deus me dê saúde e garra na pena.
Porque como dizia António Aleixo:
Cavador, meu camarada,
Não penses que a pena é leve.
Pesa tanto como a enxada
A pena com que se escreve.
E acabo como o fiz em muitas crónicas, quando o seu teor era cáustico e eticamente criticável:
- Porra, vai cá uma nortada!
Então, até de hoje a oito.
Autor: Dinis Salgado