1. Desengane-se quem pensa que o discurso eclesial é repetitivo e hermético ou que a linguagem teológica está condenada a ser monolítica e entediante.
O vocabulário cristão é – além de fidedigno e organizado – imaginativo e mesmo inesperado.
2. As metáforas, as alegorias e as parábolas sempre estiveram presentes.
Aliás, o próprio Jesus apresentava-Se como «pastor» (cf. Jo 10, 11-18), «videira» (cf. Jo 15, 1-8), «luz» (cf. Jo 9, 5), «caminho» (cf. Jo 14, 6) e até «porta» (cf. Jo 10, 9).
3. Não admira, pois, que a Igreja seja apresentada – logo nos começos – como um «corpo» (cf. 1Cor 12, 27; Rom 12, 4-5; Col 1, 24).
Desse «corpo», Cristo é a «cabeça» (cf. Col 1, 18; 1Cor 12, 27) e nós somos «membros» (cf. 1Cor 12, 27; Rom 12, 5; Ef 5, 30).
4. E como se faz a ligação entre a cabeça e os restantes membros de um corpo? Obviamente pelo pescoço.
Segundo uma tradição – com o peso de alguns séculos – o «pescoço» da Igreja é Maria.
5. Consta que terá sido São Bernardino de Sena (1380-1444) o primeiro a aplicar a Maria a imagem de «pescoço» do Corpo de Cristo.
Com essa imagem salvaguarda-se a pertença de Maria à Igreja e – ao mesmo tempo – a singularidade dessa pertença.
6. Já no século V, Santo Agostinho assegurava que Maria é um membro «santo, excelente e supereminente» da Igreja.
Ela traz a «cabeça» ao resto do «corpo» e caminha com o resto do «corpo» para a «cabeça». Daí o acerto da conhecida máxima «por Maria a Jesus» («per Mariam ad Jesum»).
7. De resto, a figura do «pescoço» ilustra, com rara felicidade, o lugar de Maria na Igreja.
Maria não é a «cabeça», mas «membro» do Corpo de Cristo. Não se trata, porém, de um membro qualquer: Ela está directamente unida à cabeça, pelo que os outros membros só o conseguem estar por intermédio do «pescoço».
8. Daí que o Concílio Vaticano II declare Maria como «tipo e figura» da Igreja. Raniero Cantalamessa opta, complementarmente, pelo termo «espelho».
Que vê a Igreja em Maria? Vê humildade, despojamento, transparência. Ela não precisa de falar muito sobre Deus. Ela é soberanamente eloquente ao fazer transparecer Deus até à mais íntima medula do Seu ser.
9. Acresce que, enquanto «speculum» (espelho), Maria é igualmente «spes» (esperança).
Como espelho, Ela é esperança para quantos querem seguir Jesus, no Seu novo corpo que é a Igreja.
10. Maria é Evangelho vivo, Evangelho em forma de vida. O Seu silêncio desponta como o melhor eco da Palavra eterna do Pai.
Foi nas «páginas» da Sua existência que o Verbo começou a ganhar forma neste mundo!
Autor: Pe. João António Pinheiro Teixeira