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O ícone

Há palavras que, de vez em quando (vá lá saber-se porquê!), entram na moda, ou melhor, caem na moda.

Desenraizadas da sua etimologia, seduzem, talvez pela sua fonética, os desconhecedores da língua materna, mas que a falam (ou escrevem) pelos cotovelos com a desenvoltura dos ignorantes, na rádio, na Assembleia da República, no Governo e noutros sítios mais. Mas, sobretudo (oh! Sim, sobretudo) nas televisões! As notícias faladas ou comentadas e as escritas em roda-pé são verdadeiros catálogos de atropelos à morfologia, à sintaxe, à etimologia e à semântica. Há para todos os (des)gostos.

Vem isto a propósito da palavra «ícone» que está na moda usar-se a respeito e a desrespeito de tudo e de nada.

Um dia não muito distante, alguém pouco instruído achou graça ao vocábulo e desatou a usá- -lo sem se dar ao trabalho de lhe investigar a origem e o sentido. Outros lhe teriam achado a mesma graça, o teriam julgado erudito ou suposto original. E, de repente, tudo passou a ser «icónico»! Até uma cerveja assim se auto-intitula!

«Ícone» é uma palavra derivada do grego «eikón» que significa «imagem». Tal como os católicos têm, nas suas igrejas «imagens» da Virgem, de Cristo ou dos Santos, a Igreja Ortodoxa (grega ou não) tem «ícones» da Virgem, de Cristo ou dos Santos, quase sempre em quadros, ou seja, representações a duas dimensões. A estes quadros chamam «ícones».

Ou seja: um ícone é, por definição, uma imagem, uma representação visual – gráfica, fotográfica, pictórica ou escultórica – de uma pessoa, de uma cena, de uma paisagem.

Não se trata nunca de uma imagem literária, de uma metáfora, mas sempre de uma imagem visual. Assim, um verso, um poema, um romance nunca serão «icónicos», por mais ajustadas que sejam as suas imagens. Porque não são «visuais». Em contrapartida, todas as imagens visuais são «ícones» (embora o termo não se use correntemente).

Daí que, escrever-se, muito circunspecta e sisudamente, que determinada fotografia de guerra é «icónica» é pleonasmo puro. Como pleonasmo é afirmar-se, muito eruditamente, que um certo quadro do Museu de Arte Antiga é «icónico». Já ambos os pleonasmos li, recentemente, em publicações responsáveis.

Que uma fábrica de cerveja queira que o seu produto seja «icónico»… perdoa-se. Mas que gente que escreve, opina, comenta, disserta, não conheça os vocábulos que usa… isso não! Não se perdoa!

Por duas razões: Primeira, porque a língua portuguesa não anda a toque de modas. Segunda, porque a abastardam e lhe divulgam o abastardamento.


Autor: M. Moura Pacheco
DM

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18 novembro 2020