Os que conseguem escapar dizem que falta de tudo – desde a alimentação até aos cuidados de saúde, passando pelo emprego e a paz social – lá onde o petróleo criou riqueza… até ao tempo em que foi nacionalizado e colocado ao serviço do poder popular… onde os apaniguados se vestem também com roupas de cor idêntica à do chefe.
Caído o sistema marxista nas paragens da Europa, simbolizado com a queda do "muro em Berlim", em 1989, muito do que se propagandeava foi posto a nu dos critérios culturais e humanos de tal regime. Como se possa entender que agora ainda haja quem se sirva de tal ideologia para conduzir povos e nações, sabendo os resultados verificados? Não se viu, vezes sem conta, que a igualdade pretendida só serve uns tantos – nalguns casos chamam-lhe de "nomenclatura" ou dão outra designação mais fascinante – deixando o verdadeiro povo – esse que não pensa como eles – à míngua do essencial?
Não deixa de ser sintomático e provocante que ainda haja propostas de querer fazer nas autarquias e em espaços de maior proximidade aquilo que – ideológica e politicamente – se viu que faliu pela raiz, deixando traumas em pessoas e em sociedades… O silêncio cúmplice – e nalguns casos a assunção pública de defesa – de certos dirigentes é questionante para com a seriedade das suas propostas e até os meios usados para atingirem seus fins… Como já se viu, quando são colocadas certas premissas, as conclusões serão idênticas às já tiradas. Por isso, é muito pouco recomendável à inteligência alheia quem assim trata os seus apoiantes… tenham a instrução que tiverem.
= De facto, o que está a acontecer na Venezuela deverá ser para todos os que acreditam na expressão da vontade popular pelo voto democrático, um sério momento de reflexão sobre a consonância entre aquilo que se diz e o que se faz, pois não podemos servir-nos do voto para atingirmos os nossos fins e depois manipularmos os resultados até que consigamos reduzir os adversários à condição de amesquinhamento.
Por cá, nota-se de vez em quando, alguns que têm tiques desta "democracia de partido único", desde que seja o seu (na simpatia e/ou no voto), o vencedor. As tentativas – tácitas, subtis, claras ou subterrâneas – duns tantos sentem-se à distância, pois nem sempre aceitam a concorrência nem a diversidade de pensamento. Veja-se a (pretensa) força do coletivo, que mais não é do que aniquilar os diferentes, seja qual for o método… Onde estão os que não pensam como a maioria? Onde estão os que discordam, mesmo de forma livre? Onde está a liberdade para poder exprimir a discordância?
À medida do que é suscetível de perceber há por aí muitas purgas e limpezas, por forma a que se dê a imagem da tal força do coletivo nem sempre democrático, por não-respeitador dos que não alinham na mesma corrente…
= Num tempo tão propagandeante da democracia, vemos imensos sinais de ditadura, desde os mais capciosos até aos mais rocambolescos. Muitos dos "democratas" são-no por trituração dos adversários. Muitos dos que falam de liberdade para si nem sempre a conjugam para com os outros. Muitos dos que defendem o direito de pensamento livre nem sempre dão tal oportunidade aos que pensam diferentemente.
Fique claro: não acredito em qualquer regime ou forma de governo que tente coartar a dimensão espiritual da pessoa nem que faça reduzir a condição humana só ao bem-estar materialista. Este é uma etapa e nunca pode ser um fim, pois seria condicionar a pessoa à sua fase meramente animal, mesmo que bem instalada e regalada sem atender, normalmente, aos outros.
Se Venezuela está em crise tão profunda não foi por falta de meios económicos, pois era um dos maiores produtores de petróleo. A crise é, sobretudo, cultural e humana, de respeito e de sensibilidade aos outros…
Autor: A. Sílvio Couto