1 –“Tantas vezes vai o cântaro à fonte, que um dia lá deixa a asa”: após décadas de avanços e recuos, Santana Lopes prepara-se para dar definitivamente corpo ao mito que uma das mais célebres edições d’O Independente perpetuara, colocando término a uma das mais emblemáticas relações de amor/ódio da política portuguesa e abrindo, assim, caminho à consumação da heresia de que viera sendo, por antecipação, invariavelmente acusado – o abandono do partido que sempre fora o seu e a consequente fundação de uma força política concorrente, que promete “provocar a modernização acelerada de todos os partidos” e reclamar um lugar nos centros de poder decisório, seja no Governo, seja na oposição.
2 –Definido pelo próprio como “um partido personalista, liberalista e solidário, Europeísta, mas sem dogmas, sem sentir qualquer cartilha e que contesta a receita macroeconómica de Bruxelas”, a Aliança – nome escolhido pelo histórico social-democrata para um partido pensado para “construir e para unir, na política e no país” –, surge, assim, como mais uma tentativa de penetração num sistema partidário degenerado, onde a entrada em cena de novos competidores tem sido – sobretudo, «à direita» – prejudicada por um eleitorado que, como recentemente denotou António Costa Pinto, em declarações ao Jornal Económico, continua a privilegiar a abstenção face ao voto de protesto.
Donde, não falte quem lhe augure um destino em tudo idêntico ao granjeado por experiências falhadas como o Partido Renovador Democrático de Ramalho Eanes ou, mais recentemente, pela Nova Democracia de Manuel Monteiro; reflexos indeléveis de um estranho paradoxo civilizacional à luz do qual, por um lado, se lamenta a ausência de alternativas e a consequente fatalidade de, legislatura após legislatura, permanecer sob as amarras de uma partidocracia bafienta em que, tal como em “Wanted dead or alive” de Bon Jovi, “it’s all the same, only the names will change” (isto é, mudam-se as caras; rodam-se as cadeiras; tudo o resto se mantém incólume); mas pelo outro, se não hesita em fechar a porta a todas e quaisquer tentativas de ruptura com o status quoneste mesmo segmento.
3 –É certo que a simples introdução no mercado político-partidário de um novo operador não implica, necessariamente, o incremento (qualitativo) das possibilidade de escolha do comum dos cidadãos em exercícios eleitorais vindouros. Mais a mais, quando a fundamental raison d’êtreda sua constituição se aparenta mais relacionada com a ânsia de vingar uma paixão não correspondida (in casu, a derrota na corrida à liderança de um partido que “gostava muito de ouvir os seus discursos, mas ligava pouco às suas ideias”), do que – como seria lógico – no carácter politicamente revolucionário e socialmente transformador das orientações ideológico-programáticas que se pretendem apresentar a sufrágio.
Sucede, porém, que o que parece faltar à Aliança em originalidade e efeito refrescante, sobra a Santana em segurança e previsibilidade quanto aquilo que dele se pode contar; razão pela qual se não afigura despicienda a sua capacidade de mobilização, maxime, junto de uma franja populacional que – é misternão olvidar – de apenas a sete meses (!) a esta parte (e conquanto, na generalidade dos casos, mais por conveniência e instinto predatório-carreirista do que por convicção...) nele vislumbrou uma espécie de última esperança contra o controverso processo de reaproximação do PSD aos corredores do centro.
4 –Desengane-se, contudo, quem prevê na entrada em cena da Aliança um mero factor de entropia, capaz de dividir a oposição e estender a passadeira vermelha à reconquista do governo pela «geringonça» de António Costa, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa.Pelo contrário: não só a recente criação de Santana dificilmente contenderá com as aspirações de Rui Rio e Assunção Cristas no curto/médio prazo, como poderá mesmo – se para tanto gozar do devido palco mediático – assumir-se como trunfo numa estratégia de contrapeso do desequilíbrio de «vozes» correntemente sentido entre «direita» e «esquerda» nas intervenções parlamentares, nos debates quinzenais e nas comissões especializadas.
Seja como for, ponto é que Santana vai “andar por aí”. O resto, só a Deus e aos eleitores pertence.
Autor: Joel A. Alves