Eu conheci na minha já longa vida poucos homens bons. Travei conhecimento com personalidades políticas que falavam em nome do povo mas não tinham por ele qualquer respeito; conheci religiosos e religiosas que falavam em bondade, muitas vezes em nome de Deus, que deixaram muito a desejar; dei-me com homens da justiça que liam e interpretavam as leis apenas duma maneira técnica; conheci, por perto, homens da saúde que recomendavam exames escusados e receitavam sem propósito. A longevidade mais não é do que uma biografia, tipo salada de frutas; quando se cuida ir lá tirar morangos, só saem bocados de gomos de laranja. Na vida, quando se julga que se tem um amigo, muitas vezes ele não passa de um conhecido. Conheci homens de poder que fizeram dele uma loja de conveniências por onde passava o tráfego de influências e cobranças em proveito próprio. Mas houve um homem, o padre Fernando, mais tarde cónego e senhor da governança da igreja bracarense, por quem nutro uma forte convicção de homem bom. Morreu há pouco tempo. Nunca privei com ele, mas sempre que por circunstancialismos vários estivemos próximos, sempre me pareceu desprender-se dele um sofrimento interior por não poder resolver todas as necessidades do mundo; quantas vezes o ouvi dizer quanto lhe custava não poder empregar quem lhe solicitava emprego e quanto lutava nas empresas que dirigia ou presidia para que nenhum dos servidores fosse despedido! Sobre ele já escreveram ilustres personalidades que o conheceram muito mais de perto do que eu e deles, não duvido, disseram coisas justas e verdadeiras. Pareceu-me, pois, que seria demasiado falar dele agora mas julgo que quem tem coração e a verdade da aceitação não pode ficar-se pela evocação. A lembrança vai-se com o tempo mas a recordação aninha-se para sempre no sentimento como pássaro que não quer sair do ninho. Saudade daquele olhar sereno e magoado, olhos de criança a quem os dons de bondade pelo próximo, se expressavam no gesto de afagar, quer o rosto em lágrimas, quer um poisar de mãos na cabeça que sofria. Em dia do centésimo aniversário deste jornal, é minguada a alegria que experimentamos por não o vermos entre nós. Quando hoje há tantos dedos virados ao clero, por ínvios caminhos trilhados por alguns dos seus membros, faz bem lembrar que outros padres houve, e há, que vale a pena exaltá-los como farol que de longe nos indica que sabe e indica o porto seguro. O tempo passa e leva os que amamos e conhecemos porque a vida não é senão uma “sucessão de despedidas”. A lembrança é a cortina que o tempo vai tornando cada vez mais opaca, fazendo da imagem nítida uma imagem difusa. No coração só residem imagens nítidas. Eu peço ao DM, neste dia de seu aniversário que não desista de ser aquele FAROL que ilumina no deserto, sabendo-se que quem defende valores não cuida louvores. Ao padre (cónego) Fernando Monteiro a minha saudade e ao Diário do Minho os meus parabéns pela longevidade.
Autor: Paulo Fafe
O farol

DM
15 abril 2019