De Miranda do Douro a Braga, da Guarda a Leria, de Évora a Batalha; o que têm em comum estas autarquias? A desilusão parece ser a palavra certa. Muitos dos seus projetos ficaram de fora do Plano de Recuperação e Resiliência e quase todos versam a Mobilidade como fator de coesão e de competitividade. Infelizmente, para muitos e bons projetos, o tempo de decisão sobre novas e incompletas vias, deixou de ser uma prioridade nacional. O que resta é uma mão cheia de autarcas divididos entre os bafejados pelos dinheiros europeus e os que ficaram à porta. De Guimarães a Viana do Castelo, de Felgueiras a Alcoutim, de Castelo de Paiva a Felgueiras, a expressão positiva nas suas reações demonstra, por um lado, como é possível dividir para reinar e por outro como é que o país aprofunda a desigualdade. Não é apenas uma questão de mobilidade – onde houve particular enfoque nos projetos apresentados e aprovados – é, sobretudo, a demonstração que continuamos a apostar num país a várias velocidades, que adiamos mais uma vez a visão estratégica que deveria catapultar os investimentos para tornar Portugal mais resiliente, mais atrativo e consequente com a estratégica de nos tornarmos competitivos interna e externamente. Mutos dos projetos apresentados são estruturantes para uma visão circular da economia, como é o caso do baixo Cávado e o eixo Braga-Guimarães-Famalicão-Barcelos: cidades exportadoras, de elevado potencial tecnológico e inovador instalado, com um potencial humano de elevada qualidade e capacidade de atração de investidores. É certo que a região assistiu incrédula durante 40 anos, à promessa sucessiva de eletrificação da via ferroviária só agora concluída entre Braga e Viana do Castelo e continua, apesar de todo o investimento já realizado em infraestruturas, a mostrar debilidades que são estruturantes, desde logo na conclusão das infraestruturas básicas como o saneamento, gás natural ou fibra ótica e se quiserem na implementação de redes inteligentes na distribuição energética.
O plano de Recuperação e Resiliência deveria ser acompanhado por um outro que definisse um nível de partida a que todos deveriam ter direito para poderem alavancar a sua capacidade endógena, capaz de corrigir debilidades nos respetivos territórios. Escolher entre estradas e saneamento, entre estruturas de suporte ao crescimento e desenvolvimento económico e a cultura, não é o caminho. Também é verdade, que andam ao engano os que acham que basta ter boas estradas, se não tivermos complementarmente investimentos nas condições que determinam a qualidade de vida.
É verdade que há outros programas, outras oportunidades, como o Portugal 20-20 ou 20-30, mas conseguiremos a tempo e horas, corrigir os defeitos provocados pelo desequilíbrio acumulado de décadas? – Não creio. O documento estratégico que suportou o PRR deveria abranger os restantes fundos, construindo de forma ágil e visionária, a visão que queremos para o país como um todo. Ora, a mobilidade de pessoas, serviços e mercadorias é, neste capítulo, pedra angular que não pode ser determinada pela “régua e esquadro”, na hora de dividir o bolo financeiro, mas pela realidade. Infelizmente, em Portugal, continua a apostar-se na aparência, suportando uma visão retrógrada e insalubre que este Plano deveria combater. AS autarquias têm combatido em sucessivas batalhas os anacronismos do pensamento e da ação política que se mantém intactos em Lisboa, muitas vezes sem sucesso. A distorção e a inviabilidade da capacidade de investimento local é um dos “cancros” que todos esperávamos viesse a ser combatida com prorrogativas fortes e leais à diversidade territorial portuguesa. Nunca é demais lembrar que o PRR está a ser construído sobre uma base enganadora na distribuição da riqueza gerada pelos nossos impostos e só isso seria suficiente, para alterar por completo o xadrez do documento. Esta será, sem dúvida, mais uma oportunidade perdida se nada for feito. No passado recente não nos unimos em defesa da “soberania” das decisões que afetam o território e isso custou muito dinheiro aos portugueses. Bem sei que o tempo da autonomia em governação não consegue acompanhar o tempo do investimento anunciado, mas de uma vez por todas temos de escolher o caminho que melhor sirva os interesses regionais. Precisamos de melhor desconcentração, de mais descentralização e de uma oportunidade para a regionalização. Será que desta vez, enquanto protestamos contra a indiferença de Lisboa, seremos capazes de construir uma alternativa?
Autor: Paulo Sousa