Quando o Natal (25 de dezembro) e a Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus (1 de janeiro) ocorrem ao domingo, a Festa do Batismo do Senhor, porta de entrada no Tempo Comum, celebra-se a 9 de janeiro (segunda-feira). É o que, nesta quadra, está a acontecer.
O evangelho deste dia fala-nos invariavelmente do batismo de Jesus, mas varia o evangelista, de acordo com o Ano Litúrgico. No Ano A, é o relato de Mateus (3, 13-17), onde, depois de uma breve introdução (v. 13), o texto se apresenta em duas partes: o diálogo entre o Batista e Jesus (vv. 14-15), exclusivo de Mateus; e a cristofania (vv. 16-17), logo a seguir ao batismo. Esta última parte é colhida por Mateus na tradição, mas a anterior é claramente redacional, fruto da composição livre do evangelista. Procura afirmar a historicidade do batismo de Jesus e responder às questões: Por que motivo se apresenta Ele ao batismo? Não traduzirá isso uma superioridade de João?
Que Jesus tenha sido batizado por João, no rio Jordão, não levanta dúvidas, tendo em conta os critérios da tradição múltipla (o episódio aparece em todos os evangelhos) e da desconformidade ou descontinuidade (as primeiras comunidades cristãs não teriam inventado um facto que não se concilia com a ideia judaica do batismo e muito menos com a convicção cristã, segundo a qual Jesus estava isento do pecado). Que a submissão de Jesus ao batismo possa sugerir alguma superioridade de João é por este desmentido: “Eu é que tenho necessidade de ser batizado por ti e Tu vens a mim?” (v. 14).
Por que razão toma, então, Jesus esta atitude e qual o seu significado? A razão é dita pelo Ele próprio: “Deixa por agora. Convém que cumpramos assim toda a justiça” (v. 15), advertindo o leitor para o misterioso plano de Deus que está subjacente ao acontecimento. Ao proceder deste modo, Jesus manifesta-se disponível para a revelação dos planos de Deus, ao mesmo tempo que se solidariza com o seu povo, chamado a tomar consciência do seu pecado e a iniciar um caminho de conversão. Para além disso, oferece a todos um sinal concreto de que está a começar a sua missão e implicitamente propõe aos discípulos que percorram um caminho idêntico ao seu.
O significado está explícito nos versículos que Mateus colheu da tradição (vv. 16-17) e é dito com linguagem apocalítica: o rasgar-se dos céus sugere que é do alto que vem a revelação e que o encontro entre Deus e a humanidade se efetua na pessoa de Jesus Cristo; o descer do Espírito aponta para o Messias esperado (Is 11, 12), servo de Deus e líder do povo renovado; e a voz celeste é portadora da revelação divina, no que toca à identidade (“meu Filho muito amado”) e à missão de Jesus (“nele pus o meu enlevo”, uma referência clara a Is 42, 1: “Eis o meu servo, que eu amparo, o meu eleito, que eu preferi”).
É por demais evidente que o texto encontra luz para este acontecimento nos relatos das vocações proféticas (Is 6; Jr 1, 4-10; e Ez 2, 1 – 3, 3), do descendente davídico (Is 11, 1-2) e na figura que, repleta do Espírito, é enviada a anunciar uma boa notícia (Is 61, 1).
O batismo de Jesus revela-o como filho de Deus, em sentido forte, solidário com o seu povo, desejoso de servir os irmãos e decidido a levar ao fim a sua missão. Da sua articulação com o batismo dos que aderem à fé cristã (o relato tem como ambiente vital as catequeses batismais), se tira uma conclusão clara para a vida cristã: o discípulo é designado para uma missão em tudo semelhante à do Mestre.
Autor: P. João Alberto Correia