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Novos fanatismos

2. A política, em vez de ser a arte de bem governar os povos, converteu-se, para alguns, na arte de bem se governar e de bem governar os seus; em agência de criação de bem remunerados empregos para os seus favoritos e geradora de reformas principescas. Daí, a busca do bem comum ser colocada em segundo lugar, sendo ultrapassada pela defesa de interesses pessoais ou de grupo.

Os líderes partidários, quando ocupam o poder, têm a oportunidade de distribuir benesses e mordomias. Isto leva à existência de bajuladores que constantemente os endeusam, não aceitando que lhes façam a mínima crítica ou apontem qualquer imperfeição.

Há líderes convertidos em modernos ídolos. E ai de quem os belisque! No seu comportamento, para os fanáticos, nada há de reprovável. Todas as decisões que tomam são acertadíssimas. Quem os critica, o que tem é inveja, dizem.

Na defesa do líder tomam-se atitudes injustas, recorrendo ao uso de dois pesos e de duas medidas. Eles só sabem fazer bem e os que os criticam não sabem senão fazer mal e dizer mal.

O modo como é defendido o ídolo chega a assumir formas de grosseira boçalidade e leva ao despudor de se contradizer a verdade reconhecida como tal. Basta ver certos comentários, surgidos nas redes sociais e não só, onde aparece de tudo, menos a boa educação e as boas maneiras. 

3. O setor desportivo, concretamente o mundo do futebol, enferma também de uma desoladora vaga de fanatismo, onde a falta de verdade e de justiça marcam presença. Atente-se no comportamento das claques. Nos comentários feitos aos árbitros e nas assobiadelas de que são alvo jogadores da equipa contrária. Atente-se em certas campanhas de autêntica difamação. Atente-se na vaga de desinformação. Atente-se na forma como a mesma jogada é analisada por pessoas diferentes. O que para uns é grande penalidade descarada para outros não passa de simples e inocente mão na bola.

Também o futebol cria os seus ídolos, e ai de quem se atreva a fazer-lhes a mínima observação ou a apontar-lhes o mínimo deslize. Assumem em público comportamentos mais que criticáveis, mas ai de quem se atreva a declará-lo. Os seus fanáticos seguidores não toleram que se lhes aponte a mínima imperfeição, esquecidos de que ser o máximo nos domínios do futebol não significa ser o máximo em tudo.

Apontam-se como exemplares pessoas que, em aspetos da vida vindos a público, têm muito de censurável e nada imitável. Mas como o autor daquele comportamento anda na crista da onda no mundo desportivo, poucos se atrevem a criticar o que tem de criticável e de censurável. Se alguém o faz, os fanáticos seguidores caem-lhe em cima, desalmadamente.

4. Todos os homens têm qualidades e defeitos. Há que reconhecer as primeiras e ser compreensivo e tolerante em relação aos segundos. Mas compreensão e tolerância não significam aprovação. Nem consistem em chamar virtude ao que objetivamente é vício.

Há que ter a coragem de fazer justiça em relação seja a quem for e de descobrir a verdade onde quer que ela esteja. Uma injustiça cometida por um dos ídolos não deixa de ser uma injustiça. A mentira proferida por um dos ídolos não deixa de ser mentira. O mau uso do dinheiro feito por um dos ídolos não deixa de ser um mau uso. Um erro cometido por eles não deixa de ser um erro.

Os novos fanatismos exigem uma campanha de clarividência e de lucidez. Para que a verdade seja moeda corrente. Para que os juízos que se formulam não sejam maculados pelo facciosismo. Para que os interesses pessoais ou de grupo não sejam obstáculo a que se faça justiça. Para que a busca de tachos e/ou de penachos não leve a malcriadas campanhas de difamação ou de calúnia.

 

Autor: Silva Araújo
DM

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14 setembro 2017