Desde os tempos de faculdade que à questão académica de qual o ato atribuível a um governo de Estado que mais atingisse negativamente os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, respondo mentalmente que seria a proibição da celebração do Natal. Haverá outros mas esse sempre me impressionou. Mas a minha geração não vislumbrou viver em estado de emergência. E já vão muitas declarações a proclamá-lo, outras se seguirão.
A situação pandémica resultante do Covid 19 justifica-o. Em novembro impediu que a Misericórdia de Braga prestasse a homenagem ao provedor Bernardo Reis com a dignidade e a dimensão que muito merecia. Um enorme humanista no pensamento e ação, a quem a cidade e o país muito devem, tendo sempre a seu lado uma Grande Senhora, a “prima” Dra. Cristiana. Ficou uma cerimónia simples mas profundamente sentida, mais de seu agrado, de quem dispensa honrarias, com a atribuição do seu nome ao auditório do complexo de S. Marcos e o descerramento de placas no local e no Palácio do Raio, sob a bênção de Sua Excelência Reverendíssima D. Jorge Ortiga.
A quadra festiva natalícia deste ano será vivida muito provavelmente em estado de emergência. O Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças avisa que levantar medidas para permitir as reuniões familiares no Natal abrirá caminho para sobrecarregar os hospitais em janeiro. Em Portugal ainda não foram divulgadas medidas mas António Costa afirmou que “ficaria muito surpreendido se não houvesse estado de emergência no Natal”, podendo esperar-se regras semelhantes às que o país enfrenta atualmente, nomeadamente restrições à circulação em determinados horários e regiões e o encerramento antecipado do comércio e da restauração.
Na Europa as limitações à celebração do Natal estão em estudo avançado. Em Espanha propõe-se reuniões familiares limitadas a seis pessoas e um confinamento noturno alargado ao período entre a 1h00 e as 6h00 da manhã nas vésperas de Natal e de Ano Novo. Na Bélgica, a ceia é limitada aos elementos que partilham a mesma casa. Em França será levantado a 15 de dezembro o confinamento se o número diário de infeções for inferior a cinco mil. A medida permitirá à população deslocar-se pelo país para passar o Natal com familiares e amigos. Em vez de um confinamento passará a haver um recolhimento obrigatório entre as 21h00 e as 7h00. Os restaurantes e bares estarão encerrados. Itália continuará com os tipos de confinamento determinados de acordo com as três zonas de risco definidas, com base no número de mortos, internados em cuidados intensivos, e testes positivos.
O Reino Unido e a Alemanha admitem um cenário inverso, com a suspensão ou redução dos níveis de confinamento. Boris Johnson ultima os detalhes de um plano nacional que permita que até três famílias se possam reunir durante o Natal e uma mudança do regime de quarentena a impor aos passageiros internacionais que cheguem ao Reino Unido, oriundos de zonas de risco, reduzindo-a dos atuais 14 para 5 dias, desde que se submetam a um teste que dê resultado negativo para a covid.
A suavização, manutenção ou agravamento das medidas dependerá da evolução na primeira quinzena de dezembro do número de infetados, na expetativa que o pico da 2ª onda já tenha ocorrido. A vacinação só terá efeitos no melhor cenário a partir da Páscoa de 2021. Um fim de ano em família, mas não podemos esquecer o fortíssimo impacto na restauração e hotelaria que importa que o Estado apoie adequadamente.
Mas este ano não haverá Natal? O Padre Javier Leoz de Pamplona publicou a sua reflexão em forma de poema, que lhe terá merecido um telefonema do Papa Francisco: “Não haverá Natal? Claro que sim! Mais silencioso e com mais profundidade, Mais parecido com o primeiro, em que Jesus nasceu em solidão. (…) Sem as ruas a transbordar, mas com o coração aquecido pel’O que está para chegar. (...) Vivendo o Mistério sem medo do “covid-herodes” que pretende tirar-nos até o sonho de esperar. (...) Deus está do nosso lado e partilha, como Cristo no presépio, a nossa pobreza, a prova, o pranto, a angústia e a orfandade… A Covid-19 nunca poderá chegar ao coração nem à alma dos que no céu põe sua esperança e o seu alto ideal”.
Autor: Carlos Vilas Boas