twitter

Narrar histórias. Que histórias? 2

Prossigo a reflexão sobre a mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial das Comunicações Sociais. 7. É missão do informador saber selecionar, com critério, as histórias que deve trazer a público. Transcrevo da mensagem do Papa Francisco: «Quantas histórias nos narcotizam, convencendo-nos de que, para ser felizes, precisamos continuamente de ter, possuir, consumir. Quase não nos damos conta de quão ávidos nos tornamos de bisbilhotices e intrigas, de quanta violência e falsidade consumimos. Frequentemente, nos ‘teares’ da comunicação, em vez de narrações construtivas, que solidificam os laços sociais e o tecido cultural, produzem-se histórias devastadoras e provocatórias, que corroem e rompem os fios frágeis da convivência. Quando se misturam informações não verificadas, repetem discursos banais e falsamente persuasivos, percutem com proclamações de ódio, está-se, não a tecer a história humana, mas a despojar o homem da sua dignidade». Há histórias que em vez de contribuírem para o bem comum prejudicam as pessoas. Há histórias que despertam em quem as lê ou ouve sentimentos que não deve alimentar. Há histórias que contribuem para alarmar as populações em vez de, sem as enganar, as ajudar a manter a serenidade e a calma perante a gravidade ou periculosidade de certos acontecimentos. Há histórias ditadas pela sociedade de consumo que, movida pela preocupação de faturar, em vez de servir as pessoas se serve delas. «A humanidade merece narrações que estejam à sua altura, àquela altura vertiginosa e fascinante a que Jesus a elevou», escreve o Papa Francisco. Perante a multiplicidade de histórias que se lhe apresentam, é dever do recetor de mensagens pôr a funcionar o sentido crítico, sabendo o que deve ou não aproveitar. 8. Também é missão do comunicador sacudir as consciências, levando ao conhecimento das pessoas factos que não deveriam ter acontecido mas são histórias que têm obrigação de conhecer. Impõe-se-lhe, como se lê no número oito da exortação apostólica «Querida Amazónia», «um grito profético e um árduo empenho em prol dos mais pobres». É seu dever, com factos, denunciar desigualdades injustas, a xenofobia, a exploração sexual, o tráfico de pessoas. Compete-lhe, como Hélder Câmara dizia com frequência, ser a voz dos sem voz. Trazer à luz do dia situações desumanas; dar a conhecer a exploração dos mais fracos. É preciso indignar-se - volto a «Querida Amazónia» , n.º 15 - e mostrar como não é salutar levar as pessoas a habituarem-se ao mal. Faz-nos mal permitir que nos anestesiem a consciência social. 9. É muito importante, nos tempos que correm, o jornalismo de investigação. Que o jornalista não seja o tal moço de recados de que muitas vezes falei. Muito menos um branqueador de comportamentos aviltantes ou gravemente lesivos do bem comum. Que se não limite a transmitir o que recebe da agência noticiosa ou o que lhe sopram hábeis assessores de imprensa. Jornalismo de investigação. Investigação séria. Investigação motivada pela defesa do bem comum e pelo serviço à comunidade. Investigação que traga à luz do dia manobras obscuras movidas por interesses condenáveis. Investigação que denuncie injustiças, abusos de poder, atropelos ao respeito pelos mais elementares direitos da pessoa humana. Investigação que traga a público comportamentos indignos e lesivos do bem comum que homens dos poderes tudo fazem por esconder. Também é missão do jornalista, sem deixar de respeitar as pessoas, revelar histórias desedificantes, para que o comum dos cidadãos tenha consciência do terreno que pisa. O bem das instituições não se compadece com a ocultação de erros graves de quantos, a pretexto de as servirem, delas se servem ou as comprometem. Não é fácil fazer jornalismo de investigação. Não pelo trabalho que dá. Isso é o menos. Há senhores que, tocando nos seus interesses… Talvez por isso se investigue tão pouco.
Autor: Silva Araújo
DM

DM

21 maio 2020