Esta prosa brota de muitas dúvidas e perplexidades: dúvidas,que resultam da história do “novo aeroporto de Lisboa”;perplexidades,que surgem de défice de informação. Vamos por partes.
1. Foi notícia (29 de Julho) que o estudo de impacto ambiental ao aeroporto do Montijo está em consulta pública (até 19 de Setembro),sendo agora tempo de recolha de contributos e críticas. Diz-se que a informação recolhida ajudará à tomada de decisão sobre a avaliação de impacto ambiental,que habilitará a Agência Portuguesa de Ambiente a emitir um parecer que aprova ou chumba o projecto de construção do aeroporto de Montijo; todavia, a ANA e o Governo assinaram já, em 8 de Janeiro, o acordo para a expansão da capacidade aeroportuária de Lisboa, transformando a Base Aérea nº 6 do Montijo em aeroporto complementar. Porquê, antes da avaliação competente?
2. Como sou do clube dos seniores, lembro-me que a questão dum novo aeroporto de Lisboa remonta longe no tempo: pelo menos, a Janeiro de 1969 – há 50 anos –, quando se debatia a sua melhor localização – Fonte da Telha, Montijo, Porto Alto, Rio Frio –, e foi criado o Gabinete do Novo Aeroporto de Lisboa (GNAL), que produziu os primeiros estudos de possíveis novas localizações. Passados dois anos (1971) – ainda governava o Prof. Marcello Caetano –, o GNAL escolheu Rio Frio como a melhor opção – espaço"em parte, coberto por chaparros, árvores baixas e tortuosas, cuja madeira apenas serve para lenha" –, noticiava então o Diário de Notícias; e mais: aí "situa-se a área onde irão ser construídas as longas pistas, destinadas aos grandes transportes do futuro". O relatório final (1972), de entre possíveis localizações, excluiu liminarmente a Base Aérea do Montijo.
3. Após 25 de Abril de 1974 o projecto foi posto de lado, o GNAL desactivado (1978) e integrado na ANA, relançando-o mais tarde, mas abandonando a hipótese da margem Sul do Tejo pela da OTA (concelho de Alenquer). Na década de 1990, discutem-se duas alternativas – Rio Frio ou OTA. Em 1999, opta-se pela OTA, mas as acerbas críticas técnicas levaram à escolha (2007)doCampo de Tiro de Alcochete. Depois veio a crise, o governo anterior desistiu do projecto, ouvindo falar-se na hipótese Portela+1. O actual governo retoma essa opção, optando pelo Montijo.
4. As dúvidase questõesavolumam-se: o estudo agora concluído identificou várias ameaças para a avifauna, pois são aí as rotas migratórias de grandes aves (é ver as excursões para fotos aos flamingos do Tejo e outras grandes aves). Associações de Defesa do Ambiente alertaram para a destruição do ecossistema (zona de sapais e lezírias) e para os efeitos negativos sobre a saúde da população, em especial o ruído. Muitas vozes avisam sobreinúmeros possíveis choques com aves (já ocorrem na Base Aérea), instando à independência da avaliação em curso (dado o acordo de Janeiro passado). Questão: se é verdade que aterram no Montijo aviões Hércules 130 (poucas vezes por dia, de aterragem e descolagem curta), como será com aviões cheios de pessoas, a passarem de 5 em 5 minutos, em zonas altamente povoadas? Dúvidas…
5. Assim, há especialistas que afirmam que a opção de Montijo, como solução para o estrangulamento da “Portela”, não será mais que adiar a solução de um novo aeroporto de Lisboa. Questão: a construção de uma 1ª fase em Alcochete, complementar a “Portela” – com o tempo, e de forma faseada, seria o aeroporto definitivo –, defendida também por alguns partidos, não seria preferível à opção pelo “apeadeiro” do Montijo (para sempre complementar)? Aliás, os custos para a construção em Alcochete são já do domínio público, contrariamente aos da opção por Montijo; esta – alega-se – não precisa de 3ª travessia do Tejo, nem de TGV; masinterrogamo-nos: será que o grande afluxo à Ponte Vasco da Gama não levará, mais cedo ou mais tarde, à construção de mais uma travessia (e para um “apeadeiro” de aeroporto)?
6. Outra dúvidadecorre da defesa por especialistas do aproveitamento do aeroporto de Beja (já construído), que seria não só complementar ao aeroporto Humberto Delgado, como ao de Faro (a esgotar-se e sem possibilidade de expansão). Para tal, bastaria a modernização dos troços ferroviários da linha Casa Branca/Beja (ligação a Lisboa) e Beja/Funcheira (ao Algarve) – permitindo a circulação para Lisboa em 85 minutos, Faro em 80 minutos, Badajoz na Extremadura espanhola (70 minutos). Aliás, em Beja, pode aterrar (já aterrou) o maior avião de passageiros, o Airbus A380, que não o pode no aeroporto de Lisboa.As perplexidadesvêm da resposta do ministro da pasta: “a opção por Beja está posta de parte”! Só isto?
7. Nova questão: porquê agora o debate? “Seria bom que fosse feito noutra altura que não no Verão” – li em imprensa avisada. Dúvidase questões! Se a opção por Montijo é um atentado ecológico – reserva natural única cuja biodiversidade importa acima de tudo salvaguardar –, porquê aí?
O autor não segue o impropriamente denominado acordo ortográfico.
Autor: Acílio Estanqueiro Rocha