No que me diz respeito, já estava familiarizada com aqueles campos. Numa infância de verões na Apúlia e arredores, passei inúmeras vezes por aquelas formas rectangulares a que chamam masseiras, como às gamelas de preparar a massa do pão. As areias da superfície eram retiradas para as laterais formando os valos, ou valados, nos quais se plantava vinha para estabilização dos taludes e protecção contra os ventos marítimos, cruéis inimigos dos mimos do lavrador.
Terá sido nos finais do século XIX (portanto ainda sem máquinas que dessem grande ajuda) que alguns agricultores daquelas bandas começaram a retirar as camadas superficiais dos terrenos, mais secas, estéreis e expostas ao vento, para cultivar as suas hortícolas em terrenos mais profundos e húmidos.
Trata-se de uma forma genial de escapar às contrariedades próprias da agricultura junto ao mar, criando condições de humidade e temperatura adequadas a uma horticultura intensiva, protegendo as culturas numa espécie de estufa descoberta. Primeiro o sargaço e, depois, o estrume do gado, ajudaram a enriquecer aquelas areias pobres em matéria orgânica.
Claro que só mais tarde, já adulta, me apercebi do esforço hercúleo que terá sido necessário para levar por diante esta empreitada. Todavia, a julgar pelas cebolas, couves, cenouras, batatas e tudo o mais que trazíamos para casa no fim das férias grandes, terá valido a pena.
Nos tempos que correm, com a generalização das estufas modernas, esta forma de agricultura está a cair em desuso. São cada vez mais raras estas gentes que, ora se agarram ao arado, ora se afoitam mar adentro, rumo às vagas que investem nervosas contra as quilhas.
Lembrei-me agora desta visita de estudo, num assomo de nostalgias de há quase 30 anos, enquanto me despedia dos mares de água e de areia, dizendo-lhes um “até para o ano que vem”. Talvez esta memória tenha nascido das fantásticas cidades que construímos, por estes dias, nas areias da maré vasa? Vejo-os daqui, pai e filho, muito entretidos a arquitectar torreões, cisternas e fossos, sabiamente reforçados com as pedras polidas pelo mar.
Autor: Fernanda Lobo Gonçalves