Agir firmemente, mas com maneiras suaves eis o Lema da Companhia de Jesus. Vem a propósito da urbanidade como princípio de conduta no exercício da advocacia. Não é, não pode ser, um valor apenas e somente de um grupo, de uma classe, de uma função ou de um ofício; desenganem-se os que assim pensam, sob pena de adoptarmos uma concepção redutora de tão elevado axioma. A Urbanidade não deixa de ser um resquício da correcção entre todos, da confraternização entre povos, sociedades, pessoas, que muitas vezes passa despercebida porque intuída, porque sinónimo bastante do bom senso que deve imperar. Não mais é que um dever de respeito mínimo das consciências individuais e da sua soma que se solidifica em regras de boa convivência, elemento estrutural da sociedade humana. Esta – não interessa o nome que se lhe atribui, mas antes o seu conteúdo – partindo do porto da humanidade em geral tem, claro está, uma ênfase superior pelos valores que encerra em si mesma e pelos fins que preconiza no exercício do mui honroso ofício que é a advocacia. Há, pois, uma conduta – apelidem-na de ética, moral, social ou meramente oficial, não interessa – de formação em que da profissão do Advogado deriva uma série de direitos e deveres que o seu Estatuto – muitas vezes esquecido na penumbra do “vale tudo” – enumera, impondo à pessoa do Advogado uma forte formação moral, cívica diríamos nós. É uma luta para sabermos o risco que podemos trilhar, as fronteiras que podemos calcorrear, no fundo presence is the defining attribute of a successful advocate. Com a enunciação deste dever geral, não se pretende ver no Advogado o arquétipo de virtudes ou de endeusamento: os Advogados não são anjos e muito menos deuses, mas podem e devem ser pessoas íntegras, conscientes, aprumadas, com devoção pelas causas. O dever geral de urbanidade é muito mais do que simples educação, respeito, sentido ético; é idoneidade, é civismo, correcção, cooperação, lealdade, verdade; um comportamento assaz linear na defesa dos valores da dignidade da profissão de Advogado que não se esgota em adjectivos ou conceitos. E a Urbanidade é dever para com todos e, necessariamente, para com aquele pelo qual o Advogado dá a cara e põe à sua disposição todos os seus conhecimentos, perante o cliente cujas relações nem sempre – sejamos realistas – se pautam pela igualdade de bitolas; cabe ao Advogado a conjugação de agulhas, por vezes difícil, de esclarecimento jurídico, contribuindo de forma activa para uma cultura jurídica e de cidadania que se pretende profícua. Dúvidas não haverão que estamos diante de uma obrigação inerente à função, mesmo inata e vital para a vivência desta. Um dever ser que é, o qual pressupõe a assunção da ideia de penosidade, de labor, de dificuldades ao virar da esquina da função, na esperança redobrada no reconhecimento do outro da sua missão que, não obstante os espinhos, oferece compensações subliminares àqueles que por ela lutam. Não chegam cartas de intenção, palavras redondas! Hoje muitos poderão alcançar o título de Advogado, mas nem todos o exercerão com a grandeza que lhe atribuía Voltaire: J’aurais voulu être avocat, c’est le plus bel état du monde. Se o Advogado conseguir escapar à tormenta do espectáculo, da fuga fácil, do verbalismo exacerbado, do vendedor de ilusões baratas e preservar a honesta rectidão e perseverança da verdade tranquila, da devoção à “Deusa da Justiça”, não prestando vassalagem a bezerros de ouro, escolhendo a melhor água para cada defesa, protegendo os seus clientes, então bem elevará o ofício de que é oficial, recriando o direito a cada momento no quadro das aspirações sociais, contribuindo para que o mundo seja diferente, um pouco melhor e mais justo. Como disse em entrevista ao Jornal “nós” da Universidade do Minho – edição de Dezembro de 2020 – “a advocacia merece uma nova dignidade que não se compra”.
Autor: António Lima Martins