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Ministério Público e Estado-de-Direito Democrático III

Assim, é de frisar a relação entre MP e política criminal, i.e., uma “agenda penal” com respeito pelas reservas de lei, mas também com definição de linhas de direcção política: através da lei-quadro de política criminal e/ou resoluções. A política criminal convive com o direito e processo penal e a criminologia. O MP está por conseguinte enquadrado pela própria Constituição: a) princípio da autonomia; b) princípio da independência dos tribunais, das autoridades judiciárias, pois o MP não pode ser condicionado por outros órgãos de soberania; c) princípio da legalidade da acção penal. O “regime de prioridades” outorgado ao MP não parece implicar qualquer inconstitucionalidade.

São assim possíveis critérios não tão rígidos em termos de legalidade da acção penal: i) não prejudicando a igualdade na acção penal, é possível individualizar a prioridade da investigação tendo em consideração a dignidade e importância dos bens jurídicos protegidos; ii) afastando contudo as chamadas medidas individuais e similares tendo como destinatário o MP a partir doutros órgãos de soberania; iii) observação das competências dos tribunais na execução dessas mesmas políticas. Nada disto constitui o completo afastar da hipótese de existirem orientações gerais do respectivo Governo – ouvido o Presidente da República – como p.e.: prioridades em face de crimes de terrorismo ou criminalidade altamente organizada e/ou em áreas de profundo alarme público como é o crime de abuso sexual de crianças. Nada de novo, de acordo com o Conselho da União Europeia.

Como já dissemos nos artigos anteriores, o MP tem um estatuto próprio e autonomia. Na III República, pós-25 de Abril, o MP assume autonomia perante o Governo, Presidente e Assembleia da República, mas também perante os juízes-Magistrados judiciais. Não há hierarquias em relação ao Governo e há separação orgânica e funcional dos juízes-Magistrados. A independência e autonomia do MP é pois perante os Tribunais: sem, por um lado, interferências, dependências ou condicionamentos entre os poderes do Estado, ou seja, com independência; mas também, por outro lado, com autonomia no seu próprio estatuto ou no exercício das suas funções e competências.

Mas, como em tudo na vida, nem tudo são rosas. Assim: 1.º a constitucionalização da independência do MP, em face dos outros órgãos de soberania, não está construída de modo deveras nítido: as interpretações são diversas; 2.º já pela autonomia podemos dizer que regem justas especialidades também estatutárias quanto às transferências, demissões ou suspensões. Sempre com legalidade e igualdade. O estatuto do MP tenta pois colmatar alguns vazios constitucionais inclusive no acesso a esta magistratura. O MP rege-se pela responsabilidade, hierarquia interna, mas também a inamovibilidade, assim como a incompatibilidade com outras funções.

Mas a subordinação hierárquica também cria atritos interpretativos no que concerne às relações entre MP e Governo – deve prevalecer a autonomia do MP sem prejuízo da nomeação e exoneração do PGR-Procurador-Geral da República pelo Governo –, mas também no que diz respeito à hierarquia interna do MP, a qual, ao invés dos juízes, constitui um único corpo.

Não esquecer que a assessoria ao MP nos crimes militares tem especificidades próprias. Importante é também afirmar que é o PGR que tem funções de nomeação e gestão do MP e não o Governo. Já quanto às garantias e incompatibilidades do MP, mutatis mutandis, aplicam-se as regras dos juízes-Magistrados, bem como o próprio estatuto do MP. Por um MP sempre com ética.

 

Autor: Gonçalo S. de Mello Bandeira
DM

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26 maio 2017