Ao aproximar-se o Dia da Mãe deixem-me falar da minha, que Deus tem e a quem rezo com frequência.
1. Era minha Mãe uma senhora da aldeia. Simples. Humilde. Dedicada. Filha de agricultores – meus avós cultivavam um terreno de que eram proprietários – seguiu na vida outro caminho. Serviu senhoras ricas de Pevidém e trabalhou muito em casa. Em malhas e noutras atividades. Guardo em Gondar uma colcha em crochet que fez para cada um dos filhos. O primeiro cachecol que tive, quando aluno do Seminário, foi feito por ela.
Sabia ler e escrever, o que, em senhoras do seu tempo, e da sua condição, não era muito comum. Foi quem me ensinou a ler. Os primeiros livros que li eram seus: dois livros escolares e uma biografia da vidente de Fátima, Santa Jacinta.
Sempre a conheci de chinelos ou de socos embora nos últimos tempos usasse uns sapatos ortopédicos; de saia e blusa (no inverno cobria-se com um xaile de lã por si mesma tricotado); lenço na cabeça. Nunca pôs de lado o avental. Se essa peça de roupa é sinal de serviço, caía-lhe muitíssimo bem.
2. Com muito esforço colaborou com meu Pai na educação de cinco filhos. Apesar dos problemas de bronquite, que eu talvez tenha herdado.
Além do trabalho que fazia dentro e fora de casa – trabalhava em lã, atava franjas de colchas (cobertas) para diversas fábricas locais –, era de uma prestabilidade a toda a prova.
Em certa época da vida não havia, nas redondezas, bebé que tivesse nascido sem o auxílio da minha Mãe, que nunca tirou nenhum curso de enfermagem mas era, na prática, parteira da aldeia. Preparou, em casa, um sem número de crianças para receberem a primeira comunhão. Quando alguém estava prestes a partir ao encontro com Deus, iam chamar a minha Mãe (a Zefinha) para «botar as ladainhas»: rezar um conjunto de orações que tinha aprendido e com que acompanhou muitos moribundos.
Era, na paróquia, zeladora de um dos altares da igreja e da irmandade do Sagrado Coração de Jesus; distribuidora do jornal dos então Cruzados de Fátima; encarregada da limpeza das albas e das toalhas dos altares.
3. Tudo isto fazia a minha Mãe sem qualquer interesse, que não fosse o de fazer o bem. No exercício do voluntariado – na altura a palavra não estava muito vulgarizada – era uma voluntária que servia exemplarmente. Levava mas nada trazia, a não ser a consolação de ter sido útil. Ia apoiar os outros e não preocupá-los com a narrativa dos seus problemas e dificuldades, que também os tinha, mas sabia guardar para si. A ela me refiro, com algum pormenor, no livro «Raízes», de que publiquei em 2015 uma segunda edição.
4. Considero a vida da minha Mãe, em alguns aspetos, o testemunho de um verdadeiro voluntariado.
Não foi, graças a Deus, a única voluntária da paróquia. Gondar muito beneficiou com o trabalho gratuito de diversas pessoas. A isso faço referência no livro que, sobre Gondar, escrevi em parceria com Paulo Oliveira. Mas ao falar da minha Mãe – da minha Santa Mãe – apraz-me realçar esta faceta. Procurava consolar e confortar sem importunar. Ajudava a curar feridas sem exibir as suas.
5. Uma mão lava a outra. Todos precisamos uns dos outros. Mesmo mantendo a nossa autonomia, todos necessitamos de quem nos preste algum serviço. Na sua simplicidade, a minha Mãe soube ser útil a muita gente. Soube repartir do pouco que tinha. Passados os anos, ainda hoje há na aldeia gente que recorda essa dedicação e mo diz. Ouço-o com muito orgulho.
A pensar no Dia da Mãe, a minha homenagem a todas as Mães, muito particularmente às que sabem sair do seu castelo para também servirem os outros.
Autor: Silva Araújo
Minha Mãe era assim

DM
30 abril 2020