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“Meu Senhor e meu Deus”

O evangelho do II Domingo da Páscoa (Jo 20, 19-31), o “Pentecostes joanino” (G. Ravasi), dá-nos conta das circunstâncias e modos da aparição de Jesus Ressuscitado aos discípulos, bem como dos seus dons. Além disso, fala-nos de Tomé, um tipo de crente em que qualquer um de nós pode rever-se. Se tudo é importante, convém sublinhar, desde já, que o objetivo essencial do texto é propor-nos um itinerário de fé pascal.

As circunstâncias são duas: uma, bem definida, a de tempo: “Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana” (v. 19); outra, algo imprecisa, a de espaço (“o lugar onde os discípulos se encontravam...” (v. 19).

Os modos prendem-se com Jesus que aparece, “estando fechadas as portas...” (v. 19), e lhes mostra as mãos e o peito (v. 20). O primeiro sublinha a diferença entre o Crucificado e o Ressuscitado, ao passo que o segundo remete para a continuidade entre um e outro. Formas distintas de dizer uma realidade complexa e também ela paradoxal.

Os frutos e dons do Ressuscitado são a paz (vv. 19.26: “A paz esteja convosco!”), a alegria (v. 20: “os discípulos encheram-se de alegria por verem o Senhor”), o Espírito Santo (v. 22: “Recebei o Espírito Santo”) e o perdão (v. 23: “Aqueles a quem perdoardes o pecados, ficarão perdoados...”). Além de dons, a paz, a alegria e o Espírito são também condições para o reconhecimento do Ressuscitado (Bruno Maggioni) e a expressão mais plena da salvação (perdão) que acontece pela vitória de Jesus sobre a morte.

Tudo o que, até agora, referimos é fundamental para a compreensão da profundidade de sentido do texto. Porém, não é sobre eles e os seus significados que vou deter-me. É antes sobre os personagens que dão corpo e forma à narrativa: Jesus e os discípulos e, entre estes, Tomé, em particular.

Jesus Ressuscitado toma a iniciativa, é reconhecido pelos discípulos a quem concede os seus dons e confia-lhes uma missão. Os discípulos fazem o percurso que vai do medo (v. 19) à alegria (v. 20) e ao testemunho (v. 25: “Vimos o Senhor!). É aqui que entronca a figura de Tomé, “um dos Doze, a quem chamavam o Gémeo” (v. 24). Já referido em Jo 11, 16 e 14, 5, Tomé encarna qualquer um de nós, no processo da fé: queremos ver para crer e até colocamos condições para tal (v. 25a: “Se eu não vir o sinal dos pregos nas suas mãos (...), não acredito”; v. 28: “Porque me viste, acreditaste”). Porém, a interpelação de Jesus vai no sentido de crer para ver (v. 29: “Felizes os que acreditam sem terem visto!”). Segundo a Escritura, não é fácil acreditar. Trata-se de uma tarefa penosa e laboriosa (G. Ravasi). Contudo, “um crente, de joelhos, vê mais do que o filósofo em bicos de pés” (Augustus Toplady).

Além disso, Tomé queria tocar em Jesus (v. 25b: “... (se eu) não meter o meu dedo nesse sinal dos pregos e a minha mão no seu peito...”), mas foi por Ele tocado, a ponto de o Ressuscitado se transformar para Ele no Ressuscitante. (Yves Simoens). E de tal forma que, na resposta ao apelo de Jesus (v. 27: “Não sejas incrédulo, mas crente”), saiu dos lábios de Tomé uma das mais densas profissões de fé: “Meu Senhor e meu Deus” (v. 28; Sl 35, 23).

Professor na Faculdade de Teologia – Braga e Pároco de Prado (Santa Maria)


Autor: P. João Alberto Correia
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20 abril 2020