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“Memória de governador do BdP”

Na língua portuguesa, há muito se utiliza a expressão idiomática “memória de elefante” quando se pretende referir que alguém possui uma boa memória ou não se esquece das coisas facilmente. E existe uma boa base fisiológica que explica esta especial característica dos elefantes: têm um cérebro mais denso e com mais lóbulos do que o dos humanos, o que permite uma maior capacidade para armazenar informações. E esta singularidade é essencial a estes paquidermes por questões de sobrevivência, uma vez que lhes permite caminhar vários quilómetros em busca de água e comida, memorizando com exactidão os locais onde conseguir as suas provisões.

Pois bem, a nossa linguística está agora em vias de consagrar uma nova expressão idiomática, após a observação popular de uma extraordinária característica do actual e do anterior governador do Banco de Portugal (BdP), quando confrontados, em comissões parlamentares de inquérito, com créditos problemáticos da Caixa Geral de Depósitos (CGD) e doutros bancos que era suposto supervisionarem, de que resultaram prejuízos astronómicos: “não tenho memória”, “não me lembro”, “13 ou 14 anos depois, não tenho memória de a questão ter sido discutida”.

Curiosamente, trata-se de uma selectiva e sistemática falta de memória, porquanto só não se lembram das operações de que resultaram prejuízos! Das outras, das que deram lucros, recordam-se muito bem…

De resto, sendo especialmente censuráveis estas falhas de memória no órgão de cúpula do regulador – BdP –, o mal assola igualmente muitos outros responsáveis de instituições empresariais e financeiras públicas que têm vindo a ser inquiridos no Parlamento, em sucessivas comissões de inquérito.

Ora, é fundamental para a democracia e para a sanidade da vida política e social buscar-se uma explicação científica para o fenómeno, tanto mais quanto estas crises de amnésia são acompanhadas de atitudes de soberba e de arrogância. Em vez de assumirem com humildade as suas faltas e responsabilidades, os “padecentes” são peritos em alijar culpas com argumentos que ferem a inteligência alheia.

Confrontados com relatórios de auditorias internas, com cartas de administradores e alertas dos revisores oficiais de contas e instados a explicar por que razão nada fizeram com vista a avaliar a existência de ilícitos de natureza contra-ordenacional e apurar a responsabilidade subjectiva pelos desastrosos actos de gestão que levaram o banco público a arcar com milhares de milhões de prejuízos, não é de todo aceitável nem compreensível que invoquem em sua defesa faltas de memória ou argumentos ridículos como o de não ter o “pelouro da supervisão” e de estar perante “operações legais” (Vítor Constâncio dixit) ou de, nas situações (irregulares) detectadas não haver evidência de “responsabilidade subjectiva” de um administrador, como disse Carlos Costa.

Definitivamente, a cultura de protecção de amigos e de deixar que a culpa em Portugal morra solteira está a destruir os alicerces éticos e políticos da nação. E isso não pode tolerar-se.

Se, infelizmente para o país, a expressão “memória de governador do BdP” ganhou direito a figurar como nova entrada lexical nos dicionários de português, é vital estudar-se cientificamente esta “patologia” para a prevenir e lhe dar o tratamento adequado. Antes que se espalhe como uma verdadeira epidemia!


Autor: António Brochado Pedras
DM

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5 abril 2019