O dia das mentiras era afinal verdade ao podermos interagir. “Grandes Debates do Regime” era o nome das conferências que foram promovidas pela então Câmara Municipal. A 1.ª, 6.ª-Feira, teve como tema a “Democracia No Século XXI: Que Hierarquia De Valores?” e contou com a presença de Soares e Freitas do Amaral.
Desse debate, recordo a conversa pessoal que tivemos no final. O seu profundo respeito pelo ensino, Universidade e Ensino Superior em geral, bem como os professores e investigadores em particular, pela ciência, pelos filósofos e escritores. Falamos da Faculdade de Direito de Coimbra e dos m/orientadores Figueiredo Dias/Costa Andrade.
Utilizou várias expressões de admiração e humildade que eu não esperava. A certa altura disse eu, “mas o Senhor Dr. também é Doutor Honoris”, ao que Mário Soares retorquiu: “Doutor Honoris Causa?! Ah! Ah! Esse é um doutoramento a fingir!”. Duma personalidade que ficaria na História torna-se surpreendente. Ou talvez não... Esta admiração e humildade tem com certeza alguma relação com Eduardo Henriques da Silva Correia, da Escola Penal de Coimbra, é um dos principais pais do moderno direito e processo penal democráticos lusos.
Ora, Eduardo Correia, embora vindo do Estado Novo, cedo percebera os ventos da mudança e fora Ministro da Educação e da Cultura no I Governo Provisório de Portugal, bem como Ministro da Justiça no IV Governo Constitucional. Mário Soares escolheu precisamente em 1986 Eduardo Correia para ser seu mandatário às presidenciais. Figueiredo Dias, Constituinte e Filho-Pai do moderno Direito Penal Português, Costa Andrade, actual Presidente do Tribunal Constitucional, Faria Costa, actual Provedor de Justiça, Anabela Rodrigues, ex-Ministra e ex-Directora do CEJ, etc., são alguns dos discípulos de Eduardo Correia, e já antes Beleza dos Santos. Uma Escola de Liberdade e do Estado de Direito Social, democrático, livre e verdadeiro. Em 1986, Mário Soares é eleito Presidente da República nas tais presidenciais em que começa com 8% nas sondagens e acaba com mais de 50%, numa reviravolta surpreendente.
Quando recordo Soares, recordo o Advogado que defendeu opositores à ditadura salazarista. O preso político e que a política não é mesquinhez. Recordo o Homem que era anti-destruição da Saúde, Ensino e Segurança Social nuclearmente Públicas. Mas também ainda: o Lutador contra a precariedade no trabalho, o defensor incansável do Estado de Direito social democrático. O Homem generoso e improvisador.
Recordo quem nos lembrou que somos europeus. Defeitos e Acusações como as de Henrique Cerqueira? Algumas graves, com certeza, mas têm que ficar devidamente provadas e a História julgará. Por vezes só passados mesmo muitos anos... Aquilo que aprendi com Soares – Coragem e Liberdade – é que vale a pena sempre lutar pelos ideias constitucionais, sem medos inúteis, dizendo não! E é precisamente nos direitos e deveres dos trabalhadores, no trabalho, que reside justamente grande parte da nossa própria liberdade.
A precariedade injusta e a perseguição manipuladora e coactiva nos meios de trabalho por colegas é dos actos mais nojentos e repugnantes com que um ser humano pode encarar o seu próximo. A isto, Soares disse basta, como quando percebeu que Portugal, afinal, passou a estar ocupado pela Troika. Tudo isto, não tira lugar à necessidade de, p.e., o Estado português, logo que possível, ter que indemnizar os chamados “retornados”: temos dito.
Autor: Gonçalo S. de Mello Bandeira