Quando, a 22 de Junho de 1622, o Papa Gregório XV cria a Congregação para a propagação da fé (Propaganda Fide), o termo não tinha um sentido pejorativo. Durante quase três séculos, designou sobretudo o acto de propagar uma doutrina religiosa ou política.
É só no século XX – com os seus dois conflitos mundiais e a Guerra Fria – que a propaganda passa a qualificar uma manipulação psicológica orquestrada pelas elites, com vista a criar as condições para impor uma dada opinião junto das massas.
No Estado Novo, António Ferro materializou esse conceito na direcção do Secretariado de Propaganda Nacional (1933-1945), mas foi indubitavelmente Joseph Goebbels,ministro nazi da Educação Pública e da Propaganda (1933-1945), quem foi mais longe na pretensão de ludibriar a opinião pública, recorrendo a um vasto leque de instrumentos (imprensa, rádio, cinema, literatura, teatro, música, artes visuais, desporto, educação, etc.).
Passadas algumas décadas, em tempo de fake newse pós-verdades, corremos o risco de julgar que a propaganda se restringe ao círculo de influência de Trump e Putin, ao Daeshou aos governos venezuelano, chinês e norte-coreano. Basta, porém, ligar o televisor para saber que neste país à beira mar plantado temos a nossa plêiade de catedráticos na área.
Na obra Petit traité de propagande à l’usage de ceux qui la subissent (2007), Etienne Augé sintetiza o processo propagandístico em contexto digital em 18 princípios que aqui adaptamos.
Ao percorrê-los, o leitor lembrar-se-á, com certeza, de um conjunto de figuras públicas que hoje pululam no nosso espaço mediático. Deixo a cada um o cuidado de identificá-las.
Convém apenas recordar que a manipulação não se encontra apenas do outro lado (ideológico, político, clubístico) e que o conhecimento dos seus mecanismos nos ajuda a minimizar seus efeitos. Dito isto, o propagandista procura (quase) sempre:
1. Estar bem informado e conhecer as tendências da opinião pública, de modo a antecipar ou rebater opiniões desfavoráveis;
2. Ser a autoridade suprema que toma decisões incontestáveis no seu próprio campo;
3. Agir em função do adversário, minimizando seus êxitos e exagerando suas falhas;
4. Utilizar os meios adequados em função do público a quem se endereça;
5. Defender a “sua” verdade, mentindo convictamente quando for necessário;
6. Saber ignorar os ataques: por vezes, o silêncio é a resposta mais eficaz;
7. Controlar, na medida do possível, a difusão da informação a seu respeito;
8. Utilizar os pontos fracos da propaganda adversa para descredibilizá-la;
9. Recorrer a diversas formas de propaganda alternativas e camufladas;
10. Divinizar o líder e instrumentalizar figuras públicas com prestígio;
11. Saber gerir o tempo e os momentos propícios para a manipulação;
12. Condicionar as reacções dos adversários, influenciando a agenda mediática e a definição dos acontecimentos;
13. Prometer um futuro risonho que faça esquecer as agruras do presente;
14. Manipular a ansiedade das massas: o conflito é inevitável e a sua resolução depende do líder.
15. Responsabilizar os outros pelas falhas próprias;
16. Canalizar o ódio da maioria para uma pessoa ou um grupo;
17. Reforçar a “fé” dos fiéis e convencer os indecisos;
19. Ser discreto. A propaganda identificada enquanto tal perde muito da sua eficácia.
Autor: Manuel Antunes da Cunha