Porque acho o tema de importância capital para a paz e compreensão mundiais e para o restabelecimento da ordem internacional, volto ao assunto, desta vez a pretexto de uma importante comunicação escrita do Papa emérito Bento XVI, enviada para um simpósio realizado em Varsóvia, na Polónia, sobre “O conceito de Estado na perspectiva dos ensinamentos do cardeal Joseph Ratzinger”.
Analisando as duas concepções do Estado que conduzem a radicalismos – o “Estado radicalmente ateu” e o “Estado radicalmente religioso”, patente nos movimentos islamistas –, Bento XVI alertou os participantes no simpósio para as nefastas consequências que, por via desses extremismos, diariamente são sentidas, apelando para a superação daquelas perniciosas concepções.
Para quem se recorda da lição magistral que o Papa emérito deu em Ratisbona, na Universidade onde fora professor catedrático de teologia – que, de resto, tantas e injustificadas críticas lhe valeu no meio islâmico –, não custa perceber que nesta última comunicação epistolar, Bento XVI tenha aproveitado a oportunidade para reafirmar o pensamento que sempre advogou durante o seu breve pontificado, como já antes: a primazia do direito natural como traço de união entre crentes de diversas religiões ou não crentes; a necessidade de diálogo entre a fé e a razão, que são entre si complemento natural, nenhuma delas podendo suprimir a outra, sob pena de se negarem a si próprias; e, como corolários lógicos das duas anteriores premissas, a ideia de que não agir segundo a razão é contrário à vontade de Deus e a de que a violência ao serviço da fé é irracional e, por isso, contrária à natureza divina.
Com esta fundamentação, o pontífice emérito insistiu na urgência de um diálogo racional com o Islão e dentro do Islão, na base do respeito mútuo e da reciprocidade de tratamento, tentando, sobretudo, despertar os sectores islamistas mais moderados que se têm remetido a um silêncio pusilânime e comprometedor perante a intolerância e a extrema violência de vários grupos radicais do seu credo.
Entretanto, parece que esta persistente interpelação do Papa emérito começa a dar sinais positivos, como pode concluir-se, por exemplo, do recente convite ao Papa Francisco para visitar o Egipto. Na verdade, no programa da visita está incluída uma deslocação à Universidade de Al-Azhar, no Cairo, uma das principais instituições académicas do islamismo sunita que, em 2011, na sequência de um atentado em Alexandria, durante as celebrações do Ano Novo, rompeu relações com o Vaticano, em virtude de um pedido de Bento XVI às autoridades egípcias para protecção das minorias religiosas, designadamente as cristãs!
Mas o ilustre pontífice emérito não se quedou apenas por este tipo de radicalismo de Estado, pois acentuou também a necessidade e urgência do combate ao radicalismo laicista lembrando precisamente o duro combate travado por S. João Paulo II e o Cardeal Stefan Wyszynsk, com o apoio do povo polaco, para superar o antigo regime comunista da Polónia. No entender daquele ilustre pontífice, a fé e a liberdade religiosa restauradas na Polónia, sinalizam hoje o caminho para o futuro.
Do que vem de dizer-se, cremos sinceramente que a paz mundial e o progresso material e espiritual da humanidade têm de passar por um efectivo movimento ecuménico e por um diálogo aberto entre as várias religiões, que consagre, definitivamente, os valores da tolerância, do respeito mútuo e da liberdade, na linha, aliás, do que, há cerca de 52 anos, foi preconizado pelo Concílio Vaticano II.
Autor: António Brochado Pedras