Como referimos no último artigo, 23/7/21, e tendo por base o art. 47o da Constituição, o acesso constitucional à função pública em condições de igualdade e liberdade é não só o direito de acesso (jus ad officium), mas também o direito de ser mantido nas funções (jus in officio); e ainda o direito às promoções dentro da respectiva carreira. Ou seja, dentro da igualdade de oportunidades há várias etapas: 1a alcance das habilitações académicas e técnicas necessárias ao exercício das profissões, 2a ingresso na profissão; 3a exercício da profissão; 4a progresso na carreira profissional. Mutatis mutandis, todos estes princípios fundamentais, que têm em vista o sector público, são aplicáveis igualmente aos sectores privado e cooperativo. É claro que estando consagradas – como Direitos Fundamentais, e como não poderia deixar de ser no Estado de Direito Democrático Social - a iniciativa privada, cooperativa e autogestionária (art. 61o), assim como o direito de propriedade privada (art. 62o), não podemos designadamente impor, sem nenhuma adaptação, as mesmas regras dos concursos públicos na dimensão privada e na dimensão cooperativa. Todavia não podemos esquecer que existe no ordenamento jurídico português, p.e., a Lei no 20/2008, de 21/4, com actualizações até à Lei no 58/2020, de 31/8, a qual consagra a “Responsabilidade Penal por Crimes de Corrupção no Comércio Internacional e na Actividade Privada”. Ainda que nem todos os ordenamentos jurídicos, de Direito e democráticos, consagram a criminalização nesta área. Bastando-se com outro tipo de sanções de diversas áreas do Direito. Ou seja, os sectores privado e cooperativo não são uma terra-sem-lei ou terra-de-ninguém. Imagine-se que uma empresa privada coloca um anúncio no jornal para contratar um determinado trabalhador com certas habilitações e acaba por ser evidente e susceptível de prova que tudo não passou de uma “campanha publicitária de oferta de emprego” e/ou mesmo uma fraude ou burla que pretendia contratar uma pessoa já pré-escolhida. Ora bem, verifica-se aqui a existência de danos patrimoniais e não-patrimoniais na esfera das terceiras concorrentes vítimas. As quais poderão interpor uma acção judicial contra os respectivos autores. Por outro lado, recorde-se que podem existir suspensões e interdições profissionais desde que não violem o núcleo essencial dos direitos, liberdades e garantias: art. 18o, mas também art. 30o/4 da Constituição. Já a existência de ordens profissionais é possível de acordo com a Constituição desde que isso não sirva para inventar numerus clausus artificiais que, no fundo, mais não passam do que entraves ao exercício da profissão e à livre concorrência como infelizmente aconteceu durante muitos anos designadamente na Medicina. Note-se ainda que existem profissões exclusivas do sector público (juiz, Ministério Público, militar), assim como profissões exclusivas do sector privado e cooperativo (consultor especialista em certas áreas, desportistas, etc.). Funcionário público não é profissão em si, mas forma específica de exercer a profissão. O funcionário público não pode ser prejudicado ou privilegiado por causa das suas posições políticas ou partidárias. Podendo porém ser impedido de exercer certas actividades privadas ao mesmo tempo ou mesmo ter acumulação de empregos públicos (art. 269o da Constituição). É importante distinguir entretanto a função pública (direitos pessoais) dos cargos públicos (direitos de participação política): art. 50o da Constituição. Assim, a liberdade e igualdade no acesso à função pública é: a) liberdade de candidatura; b) desde que preenchidos os requisitos necessários; c) não ser preterido por outrem em condições inferiores; d) não haver escolha discricionária por parte da Administração Pública, i.e., sem fundamentação legal. Não são constitucionais, são nulas, as entradas automáticas na função pública independentemente do mérito e da existência de outros candidatos com habilitações iguais ou até superiores (e como já houve tantas!). Continua.
Autor: Gonçalo S. de Mello Bandeira