A comunicação é uma arte, que tem as suas regras, seja para quem é emissor, seja quanto ao recetor.
Saber comunicar aprende-se, exercita-se e vive-se, nas pequenas como nas grandes coisas, situações e momentos. Mais do que a mensagem que é comunicada, é preciso entender o comunicador, pois cada um tem a sua forma e feitio de o fazer e não perceber o método pode não permitir que a mensagem não seja captada… no menor alcance da mesma.
Se há quem seja explícito naquilo que diz e no que quer dizer, há quem use do seu modo próprio – poder-se-á chamar de ‘estilo’, tanto literário como pessoal – para que aquilo que diz e o que fala seja entendível. Há, por isso, um certo jeito de exprimir as ideias, desde que estas sejam claras, corretas e precisas. Por vezes, não entendemos o que é lido ou dito, pela simples razão de que quem lê ou fala talvez não saiba o que dizer e como dizer… ao seu estilo.
= Muitas vezes é preciso ler nas entrelinhas, isto é, por entre o que se diz e aquilo que é dado a entender, nessa imensa arte de fazer com que o leitor/ouvinte esteja atento àquilo que o comunicador nos quer dizer, fazer pensar e mesmo ‘descobrir’ por entre o que exprime. Tantas vezes é preciso estar inserido no contexto da comunicação para que aquilo que nos é dito tenha um verdadeiro efeito comunicativo.
O uso de expressões (mais ou menos) idiomáticas, de trejeitos que fazem lembrar outras situações, de exclamações de outros e trazidas para o contexto de comunicação, a alusão a processos de reflexão – mesmo por antítese – para captar a atenção dos ouvintes/leitores… fazem com que as ‘entrelinhas’ sejam, nalguns momentos comunicacionais, autênticos novos modos de construir a mesma comunicação… isto é, não disse, mas deu a entender e, embora entenda, possa não ser aquilo que foi dito, mas antes suscitado para vir a ser compreendido…
Ler nas entrelinhas pode tornar-se, assim, num processo comunicacional em tantos dos nossos campos de análise, onde mais do que afirmar é preciso interrogar, construir oportunidades de questionamento, estar participativo na arte de comunicar. ‘O que é que quis dizer com aquilo?’ ‘Onde é que quer chegar?’ ‘A quem se dirige esta observação?’… poderão ser algumas das observações para aprender a ler nas entrelinhas. Até o recurso a este método poderá ser exercitado para que não digam que nós dissemos, mas, ao mesmo tempo, para que se possa aprender a refletir sobre o que podemos querer dizer de forma mais ‘inteligente’…
= Por outro lado, falar/escrever pelas reticências é muito mais do que escrever com reticências. Normalmente quem usa este estilo sabe o que quer dizer, mas pretende fazer com que o leitor – como ouvinte será mais pela paragem em silêncio e de momentos interrogativos – complete a frase ou a ideia iniciada a comunicar. Podendo dar a impressão de ser um inseguro, quem usa reticências também poderá tornar-se uma espécie de provocador, que me exige estar participante para completar o que as reticências me querem dizer, mesmo sem disso me aperceber… Embora não seja recomendável o abuso das reticências, estas podem tornar-se uma forma de comunicação que prende o leitor/ouvinte, por forma a entender mais personalizadamente aquilo que é escrito ou é dito…
= Conta Raul Brandão (in O Vale de Josafat, vol. III das Memórias do escritor): «No julgamento de Júlio de Campos, em Guimarães, [Afonso Costa] quis enfrentar-se com o cónego José Maria Gomes, que tinha fama de piadista e parecia um padre do tempo de Bocage. [Afonso Costa, político depois na 1.ª república]era advogado e o outro testemunha. Afonso Costa, a certa altura do interrogatório, espicaçou-o, dizendo: – Aí está o senhor a dar uma no cravo e outra na ferradura... Resposta imediata, com um sorriso do cónego vimaranense: – É que o senhor doutor não está com o pé quieto!»
Diante de certas atitudes de tantos dos nossos intervenientes públicos – seja qual for a instância ou campo de participação – como que somos desafiados a dizer-lhes o mesmo: não deixem que se lhes dê uma no cravo e outra na ferradura, classificando sem menosprezo o animal… Leia-se nas entrelinhas e percebam-se as…
DESTAQUE
Por vezes, não entendemos o que é lido ou dito, pela simples razão de que quem lê ou fala talvez não saiba o que dizer e como dizer… ao seu estilo.
Autor: António Sílvio Couto