E foi por isso, porque a curiosidade já despertara, que parámos para breve visita ao pelourinho e à velha Casa do Capitão-Mor (Casa de Dentro), património desta vila que já foi de São Martinho de Vilar de Vacas e dá agora pelo nome menos zoológico de Ruivães. Por estas bandas passaram os soldados de Napoleão e por aqui se defrontaram miguelistas e liberais. Mas o nosso fito não é desfiar memórias, é procurar a neve que, dizem as notícias, caiu por estes dias.
As vacas, essas, hão-de surgir-nos logo depois, pastando pachorrentas sobre os prados de lima de Campos e Zebral, ou com a amplitude dos cornos a dominar a faixa de rodagem da estradeca de montanha. Na subida, já com o “tout-venant” a obrigar-nos a condução mais cuidada, paramos para apreciar a extraordinária aguarela que são os contrafortes do Gerês vistos daqui, da Cabreira.
Mas vamos lá que os dias ainda são pequenos e nós, com esta desculpa das memórias, andamos é à procura de neve e de lendas. Lendas como aquela que vinha nos livros de “era uma vez…”: era uma vez uma linda cabreira que se enamorou de um cavaleiro. Um dia o cavaleiro, que era conde, teve que partir, deixando juras de amor e de regresso não cumprido. No desespero da saudade, a pastora chorou e desejou muito ser uma ave para, assim, voar ao encontro do seu amado. As suas lágrimas formaram o rio, que é o Ave, e este desceu a serra para banhar a vila, que é do conde.
Continuamos a subir em ziguezagues, avistando velhos muros de pedra, cabanas de pastores, moinhos e fojos de lobo, agora sem préstimo. Quase no alto, a neve fofa. Nova paragem para deliciar os olhos e para um boneco de neve que, graças à imaginação da criança e à sábia economia de esforços dos adultos, ficou reduzido a um mero redil imaginário de vacas…
Ainda fomos lá mais acima, ao Alto do Talefe, onde imperam os aerogeradores, algumas antenas e um marco geodésico. Deixei-me ficar no carro, enquanto pai e filho se empenham na conquista de mais um castelo imaginário que, a mim, me parece igualzinho a um marco geodésico. Esta pastorinha que vos escreve deixou-se ficar no carro, segura de que os seus “condes” não hão-de demorar muito a regressar, tolhidos pelo vento gélido que sopra lá fora.
Autor: Fernanda Lobo Gonçalves