Nestes tórridos dias de agosto, mais favoráveis ao lazer e ao repouso, se não fosse os incêndios que ano após ano vão consumindo o que ainda resta das nossas florestas e uma ou outra notícia que faz prever um outono político escaldante, aparentemente, arriscaria dizer que nada seria capaz de incomodar umas descontraídas férias.
Porém, pressinto que esta é apenas uma situação enganadora.
Em tempo de férias, mesmo tentando refazer energias para enfrentar um novo ciclo de lidas e canseiras, é indispensável não desligar totalmente das verdades incómodas que nos rodeiam. Apesar da manifesta acalmia, há questões latentes prontas a despoletar inflamados debates e temas novos capazes de porem a fervilhar a sociedade portuguesa.
A pouco mais de um mês do início do próximo ano letivo, desconhece-se como irá terminar o braço-de-ferro dos professores com a tutela, sobre o descongelamento das carreiras desta classe profissional. Foi profundamente difundido pela comunicação social que há milhares de alunos, que completam 6 anos de idade após 15 de setembro, impedidos de frequentar o 1.º ano do Ensino Básico por falta de instalações. Encontram-se na situação de condicionais, apenas e só por terem nascido depois daquela data, arbitrariamente fixada para esse efeito.
A lei da descentralização, negociada pelos partidos Socialista e Social-democrata na Assembleia da República, foi promulgada pelo Presidente da República com muitas reservas. De facto, depois de muita controvérsia e de grande contestação de inúmeros autarcas de diferentes cores partidárias, Marcelo Rebelo de Sousa fez questão de vincar que a legislação agora aprovada, não significa garantia de aceitação para futuros diplomas que forçosamente a terão de complementar.
Ainda sobre esta matéria, tão crucial para um efetivo combate ao centralismo asfixiante da administração do território, não falta quem afirme que não passa de uma operação de cosmética, com custos acrescidos para os municípios e sem as correspondentes contrapartidas financeiras. Esperemos para ver!
Em diferente plano, ainda ecoam os efeitos do chamado “caso Ricardo Robles”. As incoerências deste político, com grandes responsabilidades no Bloco de Esquerda, vieram deitar por terra a proclamada supremacia moral desta formação partidária. Veremos se os seus efeitos em próximos atos eleitorais se confinam a um pequeno sismo, ou se tomam a forma de um verdadeiro tsunami!
Se os factos até agora referidos são por si só suficientes para causar incómodo e até alguma inquietação, o que se vislumbra no PSD é motivo bastante para adivinhar neste partido um fim de férias muito agitado.
À anunciada saída de um histórico, Pedro Santana Lopes, seguiu-se, no último fim-de-semana, a rotura de outro prestigiado militante com a atual direção de Rui Rio. Em entrevista ao semanário Expresso, Pedro Duarte assume não só frontal discordância com o atual rumo seguido pelo seu partido, como também se disponibiliza para disputar a liderança, que preconiza ter de acontecer até ao fim do ano.
Se a partida do ex-primeiro ministro é por si só uma perda de vulto para o PSD, muito mais será se vier a encabeçar um novo projeto político, pois por certo arrastará muitos dos seus fiéis seguidores.
Ainda no que diz respeito à crescente contestação a Rui Rio, desde sempre avocada por Luís Montenegro mas sem consequências imediatas, a recente contestação de Pedro Duarte pode precipitar um verdadeiro abalo no maior partido da oposição.
Um e outro reclamam um projeto diferenciador do Partido Socialista, recomendam uma verdadeira alternativa ao governo vigente e, acima de tudo, nem querem ouvir falar de Bloco Central. Aprecio-lhes a audácia e espero que consigam trabalhar para uma opção diferente que liberte o país de todos os espartilhos imobilistas.
Na realidade, reservando algum do precioso tempo de sossego para refletir sobre o que vai acontecendo à nossa volta, concluo que a bonança é bem pouco verdadeira.
Autor: J. M. Gonçalves de Oliveira