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Inquietações em contraciclo…

Há dias, o Presidente da República, falando na sessão de encerramento de um debate sobre a pobreza em Portugal, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, disse ter vergonha desta situação e contestou a ideia de quantos apontam como resolução deste premente problema o crescimento económico e a correspondente criação de emprego. Subscrevo inteiramente o que posteriormente referiu, “é urgente juntar ao crescimento e ao emprego uma estratégia nacional de combate à pobreza, para a sua erradicação…” Como habitualmente, Marcelo Rebelo de Sousa não podia ser mais assertivo em relação a um tema que, para ter êxito, tem de ter um tratamento multidisciplinar e envolver vários ministérios como os da Educação, do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, da Administração Interna e envolver a participação das autarquias locais e das instituições sociais de proximidade. Na realidade, sobretudo para quem está no terreno e acompanha o fenómeno da pobreza nas suas diferentes vertentes, sabe que a erradicação deste mal da sociedade carece de uma abordagem multifacetada, mistura meios de diversa natureza e exige uma supervisão permanente que não se pode confinar a um limitado período temporal, obrigando a uma monitorização abarcando duas ou até mais gerações. Neste contexto, não se pode esconder que o Rendimento Social de Inserção é uma ferramenta relevante desta matéria e tem um importante papel. No entanto, ninguém pode negar que deve ser bem aplicado, temporariamente limitado e, sobretudo, ser uma oportunidade para levar os beneficiários a uma reinserção no mundo ativo do trabalho. De outro modo, não faz mais do que alimentar o ócio, potenciar vicissitudes, criar vícios e prolongar um círculo vicioso, perpetuando a miséria. Será que esta prestação social tem cumprido cabalmente a sua função desde a sua criação no tempo do ex-primeiro ministro, António Guterres? Quais os resultados? Que impacto tem tido na diminuição da pobreza? Acredito que tem contribuído para mitigar esta chaga social que envergonha o país e todos os portugueses. Porém, olhando a realidade concreta, não estará na hora de fazer um estudo retrospetivo, avaliar os seus efeitos e reformular os seus “modi operandi”? Em distinta situação, mas também muito abordada por várias razões, está a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS). De facto, quando é o próprio ministro da tutela a reconhecer publicamente que há um conjunto de hospitais que está em falência técnica, quando há várias classes profissionais da saúde insatisfeitas e a prometer, entre outras ações, o recurso à greve, quando se lê e ouve os números do défice e as dívidas do SNS, não se pode ficar tranquilo. Em paralelo semelhante com a dotação do país de infraestruturas urbanas e de saneamento básico, da melhoria generalizada das condições de vida e do acesso universal à educação, é opinião maioritária que o SNS é o maior avanço do regime democrático e o verdadeiro pilar da modernidade de Portugal. Ouvir falar do SNS como ultimamente tem sido claro e expressivo, é no mínimo inquietante! É do conhecimento geral que a Saúde, fruto dos enormes progressos da Medicina nas últimas décadas, principalmente nos meios de diagnóstico e terapêutica, tem visto os seus custos crescer exponencialmente. É sabido que as instalações e os equipamentos sofrem o desgaste inexorável do tempo e carecem de manutenção e substituição. O direito à saúde é tido como um bem adquirido pela generalidade da população e o seu grau de exigência é cada vez maior, não se coadunando com a limitação dos recursos disponíveis. Neste cenário, não será urgente meter mãos à obra e fazer o que for necessário para preservar o nosso SNS? Será prudente não encetar as reformas necessárias no sentido de manter um serviço de qualidade a que os portugueses se habituaram? Perante a escassez de recursos do país será lógico continuar a dar tudo a todos, independentemente dos rendimentos de cada um? Quando o país parece inebriado pela constante publicidade do crescimento económico e da diminuição do défice, não haverá vontade para promover as mudanças que tardam?!
Autor: J. M. Gonçalves de Oliveira
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3 abril 2018