Na comunicação social tornou-se “normal” ver fotos ou cenas vivas de pessoas e profissionais do fogo a tentar combater chamas, com todo o lastro de destruição que elas deixam por onde passam.
Tendo, um dia de estes, por obrigações de trabalho, de andar numa rua bastante movimentada durante as horas laborais, ouvi, muito de manhã cedo (ao que creio entre dois vizinhos), gritar de um lado para outro dessa mesma rua: “Onde é que hoje há incêndios? Já viu algum jornal?”
Não sei o que o outro lhe respondeu, embora me parecesse bastante elucidativa esta forma de despontar dessas duas pessoas.
Aqui ou ali, mais para norte ou para sul, mais para o interior ou até para o litoral, os fogos não nos deixam e tornam-se como uma espécie de companhia obrigatória durante este tempo de estio abrasador.
Que razões explicam estas calamidades, que se tornaram infelizmente normais para nós, portugueses, que temos fama de ser gente calma e acolhedora?
Neste campo, as opiniões e as acusações são tantas e tão variadas, que se assemelham a labaredas fugazes e desconcertantes, como aquelas que varreram a região de Pedrógão e deixaram sem vida 64 pessoas, segundo as fontes oficiais, ou ainda outras – assevera alguém –que não foram devidamente contabilizadas.
Ou seja, a nossa calma e a nossa serenidade desaparecem nos fogos, dando origem ao “diz-se-diz-se”, ao deu-se isto e não o que se diz, numa falta de entendimento e de objectivdade que nos faz, como o lume inquieto que queima o país, indecisos e vacilantes, peremptórios num momento de acusação e titubeantes logo a seguir, com uma série de interrogações que nos apoquenta sem sabermos como responder: Porque razão acontece isto? Porque razão Portugal, no verão, se transforma numa espécie de fogueira que não se previu com cautelosa antecipação, levando a que todos gritem, todos se lamentem e todos se enraiveçam numa barafunda atordoada.
Alguém comentava: “Quem me dera já no inverno para não assistir a este espectáculo… E uma vergonha! Todos os verões são iguais. Portugal é um braseiro... E ninguém faz nada...”
É evidente que quem assim protesta pode ter alguma razão, embora não deva esquecer que o termo “ninguém”, em sentido rigoroso, o abrange também, já que ele é um “alguém” desse “ninguém”.
Não sei se vale a pena dizer – a nós, portugueses – que “somos todos culpados”, ainda que possa descobrir-se algum fundamento nessa afirmação. Quem é culpado deve arrepender-se do que fez e não devia fazer ou do que não fez e devia ter feito.
Meta cada um a mão na sua consciência e veja o que é possível melhorar no plano pessoal, já que será para quase todos nós uma quimera absurda e uma perda de tempo óbvia pensar que com os nossos protestos, as nossas opiniões inflamadas, as nossas acusações peremptórias e as nossas soluções geniais – tiradas da manga do casaco – o problema dos incêndios em Portugal se vai resolver.
Não podemos, contudo, deixar de lamentar o espectáculo de terror do mês passado e de desejar também a quem compete dar soluções a estes problemas gravíssimos e complexos que, com a previsão e a prudência devidas, lhes dedique o esforço que eles merecem. É o melhor caminho para tentar vencer esta praga, e não as nossas irritações. Oxalá o próximo verão seja bastante mais alentador e pacífico do que o de 2017.
Autor: Pe. Rui Rosas da Silva