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Homem culto e homem de cultura

Os orçamentos de estado português nunca foram muito pródigos para a cultura do país. Daí as queixas contínuas e justificadas para quem entende que a cultura é o perfume de um povo. A verdade é que os governos colocam a cultura como um gasto e não como um investimento, alinhando numa perspetiva monetarista da questão; por isso a colocam no fundo da lista de suas prioridades. Isto vem a propósito do descontentamento que graça no seio das artes.

Mas não só a cultura não tem o que precisa, como vejo os hospitais a reivindicar mais meios materiais e humanos, as forças armadas descontentes com a longevidade de seus armamentos, a segurança apelando a meios mais modernos, os professores a exigirem descongelamento de carreiras e progressões, etc. etc. Todos queriam mais. E há para tanto? Como se diz em economia, os meios são escassos e as necessidades são muitas.

Daí que os governos tenham de fazer opções entre, primeiro sustentar a vida e só depois buscar o recreio do espírito; é a aplicação da expressão latina ”primum vivere deinde philosophari”, isto é, primeiro viver depois filosofar. Sem barriga cheia nem se escutam prédicas. Por muito que nos custe dizer, a cultura será, assim, a última das necessidades de um povo.

Claro que isto não isenta um qualquer governo do apoio à cultura do seu país, mas deve subsidiar por igual qualquer das expressões da cultura: teatro, cinema, edição de livros, jornais, artesanato, escultura, pintura, música, enfim, tudo aquilo que serve para elevar o espírito do homem comum aos níveis do homem culto. Mas atenção: apoiar não é fazer dos homens da cultura funcionários do estado: quem paga é dono; este começa por embotar a criatividade e transforma os artistas em cronistas da corte.

Não paga a quem o critica. Apoios sem subordinação não existem. Como se diz na gíria popular, “não há almoços grátis”. Deixem-me usar uma metáfora: apoiar é dar a parede para o pintor pendurar o quadro que pintou, as luzes da ribalta onde o ator representa, a capa do livro do escritor, a batuta do maestro, etc. etc. O resto tem de vir do bolso do homem culto. E este só paga o que é boa arte. Quem diz o que é bom ou o que é mau? O juiz é a sociedade culta.

Aproveito para distinguir o que é um homem de cultura de um homem culto. O homem de cultura é aquele que faz obra para o homem culto comprar ou citar. Quem compra um quadro é um homem culto, quem o pintou é um homem de cultura; comprar um livro é um ato culto, quem o escreveu é um ato de cultura. Há por aí tanta mediocridade vestida de lantejoulas!

Dizer que toda a arte é cultura, metendo no mesmo saco o ótimo e o mau, é igualar o que não pode ser nivelado, é encobrir a mediocridade com o manto da igualdade. Faça-se a distribuição dos meios disponíveis com equidade já que não pode ser com prodigalidade. Isto sem esquecer que há crianças em tratamento oncológico, por exemplo, no H.S.J, no Porto, em condições de internamento que são uma ignomínia! Há Prioridade e prioridades.


Autor: Paulo Fafe
DM

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16 abril 2018