Na edição de 15 de Abril de 1969, data dos 50 anos do ‘Diário do Minho’, o seu director, Cónego António Luís Vaz, escreveu um longo editorial que ele mesmo diz «que fará história – a desta Casa». Promete um folheto a aprofundar essa mesma história. Não teve tempo e condições para o fazer. Verei eu se consigo ajudar a fazer justiça sobre os 34 anos – de 27 de Abril de 1936 a 14 de Abril de 1970 – em que ele se sacrificou até ao extremo para conseguir a sobrevivência do jornal.
Lembremos que começou por ter de enfrentar, logo de seguida à sua entrada para a redacção e administração do jornal, a questão da guerra civil na vizinha Espanha. Depois, a segunda grande guerra e todas as privações dela derivadas. Queria ele poder escrever sobre esses 34 anos, para que «os vindouros conheçam em pormenor o que tem sido este Calvário de transportar uma cruz, dia e noite, sem quase repouso! Dois redactores em três dias na semana, três nos restantes, responsáveis por um diário, é quase o impossível! Só quem estiver dentro dos problemas do dia a dia, duma casa como esta, poderá avaliar o que isso é de esforço, teima, vontade indómita de vencer.
E isso explica também os limites, as falhas, inevitáveis em qualquer obra humana, muito mais naquela que nem sequer dispõe de elementos de trabalho suficientes para o fazer sair em cada dia que passa». E, mais adiante: «uma empresa que exige pelo menos 7 redactores – qualquer dos colossos do país dispõe de mais de 40! – e só pode contar com 2 ou 3, quase nada pode fazer. Milagre é que as falhas não sejam de monta. Além disso, nada é possível sem dinheiro».
Orgulho dava-lhe ter sido capaz de realizar o sonho de ter uma gráfica própria: «Uma teima me perseguiu enquanto fui o responsável pela existência do diário: assegurar a casa de obras capaz de pagar as despesas astronómicas do jornal, uma vez que é impossível contar só com ele para fazer face às suas contas. Felizmente a ideia concretizou-se e, agora, o resto é uma questão de tempo e paciência, além de outros factores, é evidente, entre eles a radical mudança, ultimamente verificada, neste sector».
Uma diferença abissal: a confiança depositada pelo prelado sob cuja orientação trabalhou 27 anos e a desconfiança do que lhe sucedeu. Escreve António Luís Vaz: «Dos 33 anos que levo nesta casa como chefe de redacção e director, 27 decorreram ao longo do governo pastoral do Senhor D. António, venerando Arcebispo Primaz. Desde os meus 24 anos, imaturo e ‘em rodagem’, até aos 51, as nossas relações decorreram sob o signo da máxima fidelidade e confiança: da minha parte, uma fidelidade extrema à doutrina e à disciplina; da dele, uma confiança cada vez maior, que foi ao ponto de nunca me lembrar sequer que deveria pedir licença para escrever livros e muito menos a necessidade do ‘Imprimatur’. Segundo ele, quem ocupava o meu lugar como principal responsável do ‘Diário do Minho’, forçosamente havia de estar fora de toda a suspeita, pelo que, se me fora cometido, oficialmente, o encargo de dirigir o diário oficioso e o fazia a contento, o facto implicava todas as licenças e ‘imprimatur’ para colaborar na demais imprensa, de qualquer natureza que fosse a sua expressão formal. Daí que nenhum dos meus 12 livros publicados nesses anos tenha ‘Imprimatur’ ou para eles pedisse licença prévia.
Confiança extrema, a de S. ex.cia Rev.ma na equipa, a que eu presidia, e tal que não interferia na vida redactorial… Graças a Deus, em toda a minha vida, não vejo um desvio, pequenino embora, seja na doutrina, seja na disciplina, e a tal ponto que a minha promoção ao canonicato, sem dúvida o melhor e maior galardão recebido da mão generosa de S. Ex.cia Rev.ma, ainda esse, foi-o como testemunho e afirmação oficial da minha fidelidade à Igreja.» A amigo comum confidenciou o senhor Arcebispo, o mais eminente canonista do episcopado português de então: «Veja você, o que ele trabalha e como trabalha, e ninguém dá por isso».
Sou orgulhoso sobrinho de tão excelso sacerdote. Ouvi-lhe muitas confidências. Terei que pensar bem se as partilho com os leitores ou se as guardo para o círculo mais restrito da família e amigos. Sei bem quantos sacrifícios ele e o irmão padre Júlio suportaram para garantir o jornal durante esses 34 anos. Quantas privações nós sofremos, mesmo nas grandes festas de família, em Melgaço, dadas as dificuldades de comunicação e de eles não terem automóvel próprio. Chegarem na noite de Natal, já depois das 20 horas, a uma casa sem luz eléctrica, e regressarem a Braga no dia imediato, logo após o almoço abreviado, porque a feitura do jornal urgia, é quase desumano. E quantos anos com apenas uma semana de férias! Ou nem isso, sobretudo o tio António.
Mas a grandeza destes dois homens manifestou-se nos anos de dolorosas provações. Mantiveram-se fiéis a Deus, à Igreja, ao Papa e aos mais sãos princípios. E logo que lhes permitiram, – e fê-lo o cónego João Aguiar ao assumir a direcção do jornal em 1996 – colaboraram no jornal enquanto as forças físicas o permitiram, sem queixumes e gratamente agradecidos pela oportunidade oferecida. O amor à Igreja e à causa da imprensa estava acima de tudo. Nada de rancores. Pelo contrário, quantos encómios para o rumo e modificações que o jornal estava a ter.
Aos dois meus tios se deve mais de um terço da vida do jornal nestes seus 100 anos. E num tempo completamente diferente do de hoje. Ainda não havia Universidade do Minho, nem o 25 de Abril e todo o progresso que daí adveio bem como com a nossa entrada na Comunidade Europeia, mais tarde. Braga e todo o Minho são hoje completamente diferentes de há 50 anos.
Terei de continuar com mais apontamentos, porque é imperativo fazer luz e repor a verdade. E denunciar os abusos de poder e de consciência que se praticaram. Sem acrimónia.
Uma nota final. Em 1 e 3 de Maio de 1969 saíram dois textos meus, intitulados: «Carta de Roma». Assim colaborei também no cinquentenário. Com o texto de hoje, quero estar presente no feliz centenário e augurar bom e feliz rumo ao nosso «Diário do Minho».
Como se sentirão felizes junto do Pai de toda a misericórdia e amor pela dádiva do papa Francisco e tudo quanto os seus escritos, as suas entrevistas e sobretudo as suas obras representam para a assumpção de responsabilidades, na liberdade que urge exercitar com dignidade.
Autor: Carlos Nuno Vaz
Há 50 anos era assim no ‘Diário do Minho’ de um «Editorial» que fez e faz história
DM
15 abril 2019