Ao contrário da grande fome russa de 1921, as informações sobre a fome de 1932-1934 foram deliberadamente suprimidas da historiografia pelas autoridades da União Soviética, não só pelo regime de Estaline, mas também pelos dos seus sucessores até à Perestroika e à Glasnost, as reformas políticas e económicas feitas por Mikhail Gorbachev, entre 1986-1987, as quais puseram fim à União Soviética no início dos anos 1990.
«Do Verão de 1932 à Primavera de 1933, será desencadeado o pior genocídio de todos, em volume: o grande genocídio pela fome dos camponeses da Ucrânia. Será executado em plena paz, numa altura em que as colheitas são abundantes e os silos estão cheios de trigo. Estaline começa as operações mandando decretar a requisição pelo Estado da totalidade das colheitas. Sempre com a preocupação de dar, ao pior dos arbítrios, uma aparência legal que paralise as resistências e justifique as execuções dos executantes. Num segundo momento, Estaline faz enviar dezenas de milhares de comunistas armados que se apoderam dos magros víveres escondidos nas aldeias.
As pessoas, mulheres e crianças também, morrem em massa enquanto os cereais apodrecem bem guardados nas vias-férreas. Calcula-se em cerca de 6 milhões o número de mortos provocados por este genocídio, em nove meses. Nunca se fez melhor e mais silenciosamente.» (…)
«A partir de 1928, Estaline tornou-se senhor incontestado do poder. Lembrado ainda da intervenção aliada em favor dos exércitos brancos continua a viver no pavor de uma intervenção militar das potências ocidentais contra a União Soviética. O komintern e Willy Munzenberg lançaram assim uma campanha mundial “pela paz e contra o imperialismo”. Culminará entre 27 e 30 de agosto de 1932 com o impressionante “ Congresso Mundial contra a Guerra”, mais tarde conhecido por “Amsterdam-Pleyel”, que reuniu centenas de intelectuais e representantes da esquerda humanitária vindos de todo o mundo. Esta campanha servirá para ocultar os horrores do genocídio pela fome que Estaline inaugura na Ucrânia e que, calculado por baixo, fará durante o ano seguinte seis milhões de mortos». (…)
«Lenine e Estaline usaram os mais atrozes meios para servir os fins superiores da ideologia. Esta comandou a sua conduta, favorecida pelo temperamento feroz dos fundadores. Quis o acaso que depois de Lenine tenha havido um seu discípulo e sucessor excepcionalmente dotado. Esse homem de nervos de aço nunca tremeu. (…) Por muito horror que nos inspire, é forçoso reconhecer que “ Estaline foi o homem mais brilhante de poder do século XX, aquele que melhor soube adequar os seus meios aos seus objectivos”. Mas é preciso não esquecer que isto foi em proporções terríveis em detrimento da Rússia e do povo russo, que foram as suas principais vítimas».
«A Rússia, para sua grande desgraça, tem dificuldade em proceder ao balanço real e salutar do seu passado comunista. Diferentemente da Alemanha nacional-socialista, o sistema não foi destruído por adversários decididos a erradicá-lo até aos seus últimos germes. Não houve uma “ Nuremberga” do comunismo. (…) Na realidade, para os russos e para muitos outros povos “a maior catástrofe do século XX” foi a vitória dos bolcheviques em Petrogrado em Novembro de 1917». *
A atrocidade de holodomor remonta às políticas económicas que Estaline passou a empregar logo que assumiu o poder, em 1928. Uma destas medidas consistia em controlar a produção de cereais dos países da União Soviética por meio da “requisição compulsória”, isto é, um artifício burocrático que obrigava os camponeses a fornecerem grande parte do excedente produzido para o Estado, a baixos custos. Seguiu-se, nos anos seguintes, a política de coletivização forçada das propriedades agrícolas, cuja administração passou a ser completamente racionalizada pelo Estado soviético.
A Ucrânia considerada o “celeiro da Europa” devido à fertilidade das suas terras, foi o país da URSS que mais resistiu a tais medidas. A insurreição dos camponeses ucranianos contra a coletivização forçada e requisição compulsória de cereais, levou Estaline a infligir medidas ainda mais drásticas do que aquelas que foram executadas noutras regiões. Desencadeou uma vigorosa campanha antiucraniana com o objetivo de demonstrar que a atitude deste país se revelava contrária aos anseios comunistas.
São páginas muito tristes da história que impressionam não só pelo facto de terem cometido estes horrores, mas também porque nos dias de hoje não são falados nem dados a conhecer.
Porque será? É estranho, nomeadamente depois da queda do Muro de Berlim em que, paulatinamente, se foram desboroando todos os segredos escondidos e camuflados pelo poder vigente e se foi tendo acesso a muita informação histórica que não tinha sido dada a conhecer.
Holodomor, a fome na Ucrânia, um crime de Estado aparentemente esquecido ou forçadamente ignorado que convém recordar para que a história não se repita no que tem de seu pior.
*O SÉCULO DE 1914, UTOPIAS, GUERRAS E REVOLUÇÕES NA EUROPA DO SÉCULO XX, de Dominique Venner, Civilização Editora
Autor: Maria Susana Mexia