twitter

Foi um exemplo de civismo, de humanismo e de coerência cristã Homenagem do Grupo de Encontro

Falar sem sentimento a respeito de sentimentos é arriscar não dizer nada, porque os sentimentos não se racionalizam. São linguagens diferentes. Não estranhem, por isso, que fale com sentimento da morte inesperada e repentina de um amigo. Trata-se da morte do Prof Doutor Cónego J.Marques. O assunto já não é novo. Acontece que só agora o posso fazer. O tempo e a vida impõem as suas condições e não vale a pena reclamar. Citando Marco Aurélio, só há dois tios de problemas: os que se podem resolver e aqueles que não têm solução. E este era um deles. Podia agora não dizer nada, porque já foi dito quase tudo; mas a palavra da amizade não tem medida nem prescreve, porque tem em si algo de intemporal, ou então não é amizade.

No célebre soneto “Alma minha gentil”, Camões deseja à figura do soneto toda a felicidade que a Fé anuncia para os justos. Que ela seja feliz, embora ele sofra... É assim a amizade. Apesar do choque emocional que a sua morte repentina e inesperada nos causou, apetece dizer o mesmo. Até porque são mistérios que nos ultrapassam. Guardo dele no coração a amizade e na memória a preciosa lição de vida de humanismo, de coerência, de amizade e de profissionalismo dedicado ao sonho da sua vida, ser historiador. Se Camões mo permite, parafraseando a 1ª quadra do seu conhecido soneto “Alma minha gentil”, dedico-a, em nome do Grupo de Encontro, ao J.Marques:

Alma nobre e gentil que te partiste

Deste mundo tão cedo e de repente,

Repousa lá no céu eternamente…

Mesmo que todo o Grupo fique triste”.

Era um coração de ouro que cultivava e vivia as suas amizades com delicada gentileza. Não esqueço a confidência que um amigo me fez de um que o último telefonema dele foi para lhe perguntar pela minha saúde, que nessa altura ainda estava internado no hospital. Gestos destes, que ele faria por qualquer dos seus colegas, mostram a generosidade e a dedicação do seu coração. Tornou-se um exemplo de civismo e de polidez social, que conjugava espontaneamente com o seu discreto ascetismo e as suas opções de espiritualidade. Neste momento, estará a escrever a história do nosso Grupo de Encontro, pelo qual tinha a maior estima e a cujas reuniões nunca faltou.

Inteligente e humilde, metódico, persistente, discreto e trabalhador, lutador da vida, conseguiu uma disciplina mental de espírito que lhe permitiu aumentar a produtividade intelectual ao conseguir alhear-se espontaneamente de toas as questões que normalmente correm pela nossa mente e concentrar-se unicamente naquilo que lhe convinha, o que é fruto de persistente trabalho. Cultivava uma atitude conciliadora, mesmo em assuntos polémicos, embora sem abdicar das suas opiniões e do respeito pelas fontes.

O seu estilo sereno, objectivo, sóbrio e elegante denota o percurso interior de ascese literária e de autocontrolo que foi cultivando com êxito. Respeitava muito as instituições, era um institucionalista; mas, sempre aberto ao que era novo, mesmo que elas estivessem em causa. Sabia ouvir, como é próprio de um homem de investigação. Foi um humanista respeitável que nos deixa um grande legado em obra feita e em exemplo de vida. Delicado nas suas relações pessoais, estimado, ouvido e respeitado por todos.

Pela amplitude dos temas que investigou, bem poderia ficar conhecido como “Doctor communis”, como se disse de S. Tomás de Aquino, antes de ser conhecido como “Doctor Angelicus”.

Repousa lá no céu eternamente…”, caro amigo! E não te esqueças que a tua cadeira ficará vazia nos nossos encontros, quando se voltarem a realizar.


Autor: M. Ribeiro Fernandes
DM

DM

6 março 2021